No final de 2022, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito julgamento do REsp 1.885.119/RJ, fixou entendimento no sentido de que a penhora de cotas de fundos de investimento não transfere, ao autor da ação, o risco desse negócio jurídico e, consequentemente, os respectivos direitos de propriedade sobre as cotas. Dessa forma, eventual flutuação no valor das cotas penhoradas não beneficia ou prejudica o credor. Não é possível, portanto, o repasse de valor superior ao título em execução.
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O agravo de instrumento de origem foi interposto perante o TJRJ pelo executado contra a decisão que havia determinado o pagamento em favor do autor da ação do rendimento decorrente da valorização das cotas de fundo de investimento penhoradas, até a data da expropriação final. No julgamento do recurso, o TJRJ entendeu que o autor da ação teria direito aos valores que as cotas penhoradas haviam alcançado. Interpretou que, ao aceitar a constrição feita dessa forma, o credor teria passado a integrar aquele negócio jurídico, assumindo a condição de investidor e, portanto, sujeitando-se aos riscos a ele inerentes.
Contudo, o STJ reverteu o entendimento fixado pelo TJRJ para reconhecer que o autor da ação não faria jus aos valores relativos à valorização das cotas do fundo de investimento penhoradas em seu favor. A Terceira Turma do STJ se apoiou, em síntese, no fato de que a penhora não afeta o direito patrimonial do devedor sobre o bem penhorado, já que confere ao exequente somente o mero direito de preferência e de sequela. Assim, a transferência do bem penhorado somente é efetivada por meio de alienação voluntária, sucessão legítima ou efetiva expropriação do bem. Assim, em hipóteses como a do julgado, o executado permanece como titular das cotas do fundo de investimento até que estas sejam expropriadas, pertencendo a ele também os ônus e bônus do negócio.
Titularidade do risco
Isso se deve também em razão das peculiaridades específicas das cotas de fundos de investimento. Conforme dispõe o artigo 11 da Instrução 555/2014 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cuja redação foi mantida no artigo 14 da Resolução 175 da autarquia (que revogará a referida instrução), as cotas são frações do patrimônio do fundo de investimento, observadas as divisões de classes de cotas, e conferem ao cotista direitos e obrigações, de acordo com o regulamento do fundo. Nesse sentido, o título do direito de resgate pertence ao investidor e será proporcional ao retorno dos investimentos que componham a carteira do fundo. O cotista do fundo assume o risco de performance desses ativos.
A assunção de risco do titular de cotas de fundo de investimento pode ser constatada também no disposto no art. 15 da Instrução 555, que prevê a responsabilidade dos cotistas por eventual patrimônio líquido negativo do fundo de investimento.
A intenção do regulador parece ser, de fato, a de atribuir ao titular das cotas do fundo de investimento a responsabilidade por eventuais ônus desse negócio jurídico, observada a possibilidade de eventual limitação dessa responsabilidade, conforme tratado no regulamento do fundo. É o que deixa claro o texto do art. 18 da Resolução 175. Justamente pela assunção do risco e atribuição de responsabilidades, o STJ entendeu, no caso em análise, que a não submissão do autor da ação aos ônus associados às cotas do fundo de investimento justificava, também, a não fruição dos bônus delas advindos.
Excesso de execução
Além disso, é certo que a atribuição dos riscos decorrentes das operações realizadas pelo fundo de investimento por meio da penhora poderia comprometer o principal objetivo do processo de execução, que é, em sua essência, a satisfação integral do crédito.
Essa ideia pode ser extraída também da regra do art. 850 do Código de Processo Civil (CPC), que admite a redução ou ampliação da penhora na hipótese de, no curso do processo, o valor de mercado dos bens penhorados sofrer significativa alteração. Isto é, o CPC não apenas visa que os créditos sejam integralmente satisfeitos no montante efetivamente devido, como veda o excesso de execução: não se permite que o credor obtenha lucro ou prejuízo no processo de execução.
Desse modo, ainda que não tenha feito comparação ou analogia à penhora de outros bens e direitos, entendemos que o STJ esclarece que à penhora de cotas de fundo de investimento não deve prevalecer direito diferente daquele aplicável à execução de outro bem ou direito que não seja um valor mobiliário. Ou seja, há de se respeitar o limite do valor do crédito (com as atualizações aplicáveis) na busca de sua satisfação.
Frise-se que, no caso analisado, tratou-se exclusivamente da penhora judicial e não de garantias contratuais, como penhor ou cessão fiduciária. Essas poderiam, por exemplo, tratar de destinação específica de determinados direitos inerentes ao cotista, como distribuições pecuniárias pelo fundo, para que fossem utilizadas na amortização da dívida.
O que se verifica, portanto, é que o STJ afastou a qualidade de cotista parte favorecida pela penhora de cotas de fundo de investimento com base tanto nas regras de processo civil como na regulação pertinente aos fundos de investimento. Essas regras, em síntese, demonstram que os riscos da posição de cotista permanecem com o executado, até a expropriação das cotas, cabendo a ele, assim, os ônus e os bônus decorrentes dessa relação, pelo período que ela existir.
Gustavo Santos Kulesza é sócio da área de solução de conflitos do BMA Advogados
Conrado de Castro Stievani é sócio da área de mercados financeiro e de capitais do BMA Advogados
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