Recentemente, o Banco Central do Brasil (BCB) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançaram uma proposta para aprimorar as regras de investimento para não residentes no mercado financeiro e de capitais brasileiro. Ao publicar consulta para permitir a participação social para a tomada de subsídios, com o objetivo de simplificar processos e eliminar barreiras burocráticas para atração e manutenção de fluxos de investimento para o país, denota uma intenção em atrair mais capital estrangeiro. Mas há uma linha tênue entre efeitos positivos da modernização e eficiência, e os efeitos na estabilidade e segurança do sistema financeiro.
A simplificação das regras, que inclui a eliminação do Registro Declaratório Eletrônico (RDE-Portfólio) e a modernização do regime cambial, certamente tem o potencial de tornar o Brasil um destino mais atrativo para investidores internacionais. A atração de capital estrangeiro é, sem dúvida, um dos motores para o desenvolvimento econômico, contribuindo para a liquidez e diversificação do mercado.
Contudo, é preciso lembrar que nem todo capital estrangeiro é criado igual. O influxo de capital especulativo, por exemplo, pode ser uma faca de dois gumes. Embora ele possa trazer um fluxo rápido de recursos, também pode gerar volatilidade, criando instabilidade nos mercados financeiros, como já alertado pelo próprio BCB, mas este é um efeito das economias abertas.
Outro ponto que merece destaque e muita atenção é o risco de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. A proposta do BCB e da CVM de ampliar o prazo de manutenção de documentos para dez anos e de eliminar o RDE-Portfólio pode, em teoria, simplificar a vida dos investidores. No entanto, essas mudanças também podem abrir brechas perigosas para atividades ilícitas.
Mesmo com o alinhamento às melhores práticas internacionais, a simplificação exige a presença de mecanismos de robustos de supervisão e capacidade de monitoramento de transações suspeitas. O Grupo de Ação Financeira (GAFI), órgão intergovernamental criado em 1989, é claro ao destacar a importância de manter sistemas rigorosos de controle para evitar esses tipos de crimes financeiros.
Outro ponto de atenção é o efeito de uma eventual entrada maciça de capital estrangeiro de curto prazo, que pode ter efeitos colaterais na economia real. Um dos riscos é a sobrevalorização do real, o que pode prejudicar a competitividade das exportações brasileiras. Este é um desafio em um contexto de ajuste monetário ou fiscal. O BCB já ressaltou que fluxos de capital altamente voláteis podem exacerbar os desafios econômicos internos, comprometendo a sustentabilidade de setores estratégicos.
A proposta também levanta questões sobre a concentração de investimentos em determinados setores ou ativos. Se os investidores estrangeiros direcionarem seus recursos para áreas específicas, isso pode aumentar os riscos sistêmicos, especialmente se esses setores enfrentarem crises. A diversificação de investimentos é, de fato, essencial para mitigar esses riscos, e a CVM tem enfatizado que essa diversificação é um dos pilares para a estabilidade do mercado financeiro.
Adicionalmente, não podemos ignorar o risco de fragilidade regulatória. Embora a proposta vise à modernização e simplificação das regras, a redução das regulamentações pode enfraquecer a supervisão e controle do mercado. A CVM e o BCB devem garantir que a simplificação regulatória não resulte em uma supervisão menos eficaz, o que poderia aumentar a probabilidade de crises financeiras.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destaca que a clareza e a estabilidade do ordenamento jurídico são cruciais para a atração de investimentos de longo prazo. Neste quesito, o país precisa perseguir um compromisso constante com a excelência regulatória para garantir um ambiente de negócios estável, competitivo e atrativo para investidores, além de promover o desenvolvimento sustentável e a justiça social.
Dessa forma, vale destacar que a entrada do capital externo é uma importante maneira de financiar o crescimento, no entanto, o ambiente precisa ser estável o suficiente para que esta relação de dependência não incorra em alto risco para a economia. A devida salvaguarda para mitigar a exposição do Brasil a choques externos, de forma a evitar o risco a sustentabilidade do mercado financeiro.
A história econômica recente está repleta de exemplos onde economias emergentes sofreram severas crises financeiras devido a movimentos abruptos de capital. Portanto, o BCB e a CVM precisam implementar salvaguardas robustas para garantir que o mercado financeiro brasileiro seja resiliente e que a estabilidade econômica não seja comprometida em nome da atratividade de capital estrangeiro.
A proposta de simplificação das regras de investimento para não residentes pode, de fato, trazer benefícios importantes, como a modernização do mercado e a atração de capital estrangeiro. Trata-se de um importante avanço para a regulamentação dos dispositivos introduzidos pela Lei nº 14.286/21, que resultou no atual aparato regulatório do mercado de câmbio e estabeleceu tratamento igualitário para o capital de estrangeiros e de brasileiros.
A estabilidade e a segurança do mercado financeiro brasileiro não podem ser sacrificadas em nome de uma maior integração ao mercado global. O desafio agora é encontrar o equilíbrio certo entre abertura e proteção, para que o Brasil possa colher os frutos dessa modernização sem se expor a riscos.
André Vasconcellos, vice-presidente do Conselho de Administração do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores)
Mara Limonge Macedo, vice-presidente da APIMEC Brasil (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil)
Leia Mais: CMN autoriza a emissão de CDS de CRI e CDO de CRIs – e (quase) ninguém sabia disso, nem você
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Liberar conteúdoJa é assinante? Clique aqui
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Ja é assinante? Clique aqui