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O tratamento do overboarding em discussão no Regulamento do Novo Mercado
Há dúvida quanto ao escopo da limitação de participação em conselhos, já que a regra menciona cargos exercidos em “companhias abertas”. Isto inclui companhias registradas na CVM na categoria B
Novo mercado, O tratamento do overboarding em discussão no Regulamento do Novo Mercado, Capital Aberto

Companhias listadas no Novo Mercado têm até o próximo dia 02 de agosto para se manifestarem sobre a consulta pública da B3 propondo alteração do Regulamento do Novo Mercado, incluindo regras para limitar a participação de conselheiros em conselhos de administração de companhias abertas. A medida decorre da preocupação com a acumulação excessiva de posições, o chamado overboarding, devido ao aumento das responsabilidades e do tempo de dedicação necessário para membros de conselhos. 

A B3 propõe os seguintes limites:

  1. 5 conselhos no total para conselheiro de companhias listadas no Novo Mercado;
  2. 4 conselhos no total para administrador que presida 1 conselho;
  3. 3 conselhos no total para administrador que presida 2 conselhos;
  4. 2 conselhos no total para diretor estatutário; e
  5. 1 conselho no total para diretor presidente ou principal executivo.

A proposta está em linha com preceitos de governança do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativae da Proxy Voting Guidelines da Institutional Shareholder Services (ISS), atendendo à crescente pressão de acionistas por conselheiros mais disponíveis, como ocorreu em 2023 no Twitter. Estudos indicam, ainda, que as companhias sem conselheiros overboarded têm melhor desempenho econômico. 


Embora a proposta ainda esteja em discussão, surgem dúvidas quanto ao tratamento em alguns cenários. Há casos em que um administrador integra conselhos de múltiplas companhias do mesmo grupo societário. A B3 não entrou no mérito da aplicação da regra em companhias abertas subsidiárias de outra companhia aberta, mas a ISS não recomenda voto contrário se o limite for extrapolado nesses casos. Já na França, o AFEP-MEDEF Corporate Governance Code excepciona cargos exercidos dentro do grupo.

Há também dúvida quanto ao escopo da limitação, já que a regra menciona cargos exercidos em “companhias abertas”. Isto inclui companhias registradas na CVM na categoria B? Tal limite deve considerar os cargos em conselhos de companhias listadas em bolsa de valores ou entidade do mercado de balcão organizado no exterior?

A questão se torna mais desafiadora com as companhias fechadas. A B3 questionou a possibilidade de estender essa limitação a conselhos dessas companhias. O exercício deste cargo em companhias fechadas pode variar significativamente em complexidade e demanda. Há companhias fechadas que têm conselhos de forma meramente simbólica e há outras em que o grupo tem papel efetivo na condução dos negócios. Ou seja, em uma companhia fechada o universo de atuação dos conselheiros de administração pode ser bem diverso. Outra preocupação é a dificuldade em verificar a composição de conselhos de companhias fechadas. Assim, as companhias abertas dependerão das declarações de seus respectivos membros sobre o número de cargos que ocupam.

Outra questão é se os cenários em que o administrador integre conselhos de companhias em setores correlatos e em que as companhias tenham atividades totalmente distintas deveriam ter o mesmo tratamento. A depender do caso, faz sentido excepcionar (ou talvez ampliar) o limite em relação ao número de cargos que tais conselheiros podem ocupar?

Em qualquer caso, parece desafiador regular o limite de cargos que um conselheiro pode exercer. Tanto é que esse limite é pouco regulado em outras jurisdições e, quando o é, costumam ser menos restritivos. Por exemplo, o Companies Act indiano prevê a limitação à participação em 20 conselhos, sendo que no máximo 10 poderão ser de companhias abertas. O UK Corporate Governance Code, por sua vez, prevê uma limitação apenas para aqueles que exercem cargos de diretoria executiva com dedicação exclusiva.

Outro ponto de atenção, quando há a regulamentação, é a escassez de profissionais qualificados para cargos no conselho de administração e que não fiquem impedidos de assumir este compromisso, caso imposta tal restrição. Pode ser gerado um incentivo para que pessoas menos aptas ocupem esses cargos.

Cabe destacar outras abordagens para o tema, como a oferecida nas guidelines da State Street Global Advisors (SSGA) com relação ao overboarding, que estabelece como critério padrão a existência de uma director time commitment policy feita pela própria companhia, estabelecendo os limites de número de cargos, e a descrição do processo de avaliação anual quanto à disponibilidade dos conselheiros pelo comitê de nomeação (Política). Nos casos em que a companhia não adote uma Política, são adotados os limites genericamente previstos pela SSGA. Companhias como Dell Technologies Inc., Kemper Corporation e United Health Group adotaram essa Política. Vale ressaltar a possibilidade de previsão de um range de limites, de forma a conferir autonomia às companhias para a definição de Política que reflita limites adequados à sua estrutura de governança, mas que não deixem de privilegiar o combate ao overbording.

Por fim, importa diferenciar o impacto gerado pela implementação de limites para a participação em conselhos como uma regra geral, ao invés de uma simples recomendação de voto. Atualmente, os efeitos das orientações de voto elaboradas por instituições do mercado (como Glass Lewis & Co, ISS, BlackRock e Fidelity) e vista do overbording, são, em essência, a possível rejeição da proposta de eleição do candidato que não atende a tais parâmetros e a influência pela seleção de candidatos mais adequados. Uma vez aprovada a proposta de alteração do Regulamento do Novo Mercado, a medida se torna uma obrigação, e pode originar um ônus fiscalizatório significativo.

O esclarecimento quanto à abrangência desta limitação será essencial para que a norma possa ser cumprida adequadamente e, a depender do modelo adotado, poderá limitar ou ampliar os custos de observância a serem suportados pelas entidades reguladas.

Luciana Mares – sócia da área de Societário e Governança Corporativa e Fusões e Aquisições do Cescon Barrieu

Camila Kneitz – Advogada  de Direito Societário e Governança Corporativa do Cescon Barrieu


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