Pesquisar
O investidor no mercado de capitais e o risco de fraude nos balanços da companhia
O ser humano reage a incentivos econômicos e as fraudes nos balanços – diferentemente de outros tipos – são geralmente realizadas pelo top management, que pode eventualmente incluir o Conselho e acionistas controladores
investidor, O investidor no mercado de capitais e o risco de fraude nos balanços da companhia, Capital Aberto

Os Balanços das empresas contam sua estória por meio de valores monetários. E essa estória deve fazer sentido; caso contrário, é falsa. Da mesma maneira que um mapa busca refletir o território, as demonstrações financeiras objetivam representar os resultados, o patrimônio e os fluxos de caixa da sociedade. Mas assim como os mapas, os Balanços são proxies, representações, simplificações da realidade – com diversas limitações, estando sujeitos, naturalmente, às fraudes.

Casos recentes de fraudes contábeis em grandes e respeitadas companhias abertas trouxeram enormes perdas aos investidores do mercado de capitais brasileiro. Obviamente este não é um problema eminentemente brasileiro. Veja-se os casos da Enron, Wordcom, Global Crossing etc. no início dos anos 2000 nos Estados Unidos; ou ainda o caso recente da Wirecard na Alemanha. Contudo, o tema ainda é pouco discutido no âmbito nacional.

Neste contexto, o presente artigo tem como objetivo realizar uma breve apresentação do tema para investidores do mercado brasileiro.

O que é a Fraude nas Demonstrações Financeiras?

Ato doloso realizado pelos administradores de uma sociedade – geralmente o alto escalão – com o objetivo de omitir ou evidenciar indevidamente a informação contábil, bem como os fatos materiais referentes à situação econômico-financeira, levando os usuários a uma interpretação errônea dos Balanços.

As demonstrações financeiras das empresas devem ser elaboradas de acordo com determinadas normas contábeis – conhecidas como GAAP (Generally Accepted Accounting Principles). No caso brasileiro, essas normas são os Pronunciamentos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que possuem correlação com as normas internacionais de contabilidade, conhecidas como IFRSs.

A fraude viola as normas contábeis, é ilegal. Mas, ao contrário do erro, que se trata de um ato não-intencional, a fraude envolve o dolo. Trata-se de algo premeditado, calculado, com o objetivo de manipular os Balanços que são divulgados para os stakeholders da sociedade.

Modus Operandi: Formas de Realizar as Fraudes para “melhorar” resultados da Empresa

No caso das companhias abertas, quais sejam aquelas que possuem títulos e valores mobiliários negociados no mercado e captam poupança pública, a fraude contábil geralmente visa “melhorar” os resultados da empresa. Contudo, em determinados casos os expedientes também podem ser utilizados para diminuir – para pagar menos impostos, por exemplo – ou ainda para suavizar (smoothing), isto é, retirar a volatilidade dos resultados.

O modus operandi para melhorar resultado (lucro, EBITDA, patrimônio líquido) envolve:

I. Aumentar a Receita: superfaturamento ou contabilização de vendas fictícias com utilização de clientes fantasmas, alterações de notas fiscais, produtos não enviados etc.

II. Diminuir Despesas e Aumentar de Ativos: capitalização de despesas operacionais, ativação de gastos com pesquisa em contas de ativo intangível, superavaliação de estoques, manutenção de créditos podres no Balanço etc.

III. Diminuir Passivos:não contabilização ou mensuração por valor subavaliado de contingências ambientais, tributárias, trabalhistas etc.

IV. Antecipar Resultados: postergação do reconhecimento de despesas e custos, antecipação de receitas por meio de manipulação do regime de competência.

V. Divulgação Incompleta ou enviesada: manipulação do disclosure nas notas explicativas e/ou nos releases.

Motivações para Realizar a Fraude nos Balanços

O ser humano reage a incentivos econômicos. As fraudes nos Balanços – diferentemente de outros tipos de fraudes como, por exemplo, a apropriação indevida de ativos da companhia – são geralmente realizadas pelo top management (que pode eventualmente incluir o Conselho e também os acionistas controladores).

Neste sentido, as motivações para a realização de uma fraude passam naturalmente pelos incentivos da administração para “melhorar” os resultados.

I. Remuneração e bônus

A remuneração variável com base em diversos indicadores de desempenho é bastante comum nas empresas. Tal prática visa, em tese, alinhar os interesses entre acionistas e administradores. E como, em muitos casos, elas estão baseadas em indicadores como lucro, lucro operacional, EBITDA etc., esta poderia ser uma das motivações dos fraudadores das demonstrações financeiras, qual seja: aumentar artificialmente o resultado da companhia para bater as metas predeterminadas e como consequência receber o bônus.

II. Aumentar o valor das ações

Pode haver incentivos para manipular os Balanços com a finalidade justamente de aumentar o valor das ações que são negociadas na Bolsa. Tal motivação poderia decorrer, por exemplo, do fato dos executivos fraudadores terem ações ou opções de ações – decorrentes de seus pacotes de remuneração – ou ainda com o objetivo de a empresa vender ações no mercado, via uma captação que teria um menor custo de capital.

III. Dividendos

Uma possível motivação para fraudar os Balanços da empresa pode ser justamente a intenção de se distribuir dividendos; distribuição esta que eventualmente não poderia ser feita se a contabilidade da empresa seguisse adequadamente as regras contábeis.

IV. Atendimento aos covenants de dívida

Os credores impõem restrições com vistas a controlar o risco de crédito. Estas restrições dizem respeito a metas, compromissos que a empresa tem que atender; dentre eles, a capacidade de se endividar. Como exemplos de covenants nos contratos de dívida tem-se: Dívida Líquida/EBITDA, EBITDA/Despesas de Juros, Dívida Líquida/Patrimônio Líquido etc. Neste contexto, uma possível motivação para a manipulação dos resultados seria justamente não “estourar” os covenants de dívida.

Detecção da Fraude nos Balanços: Em Busca dos Red Flags

A detecção de uma fraude contábil pelo investidor não é tarefa fácil. Contudo, os crimes deixam pistas, cabendo ao investidor buscar indícios que podem indicar o risco de fraudes.

Assim, mais fácil que detectar a ocorrência de uma fraude é identificar que existe um ambiente favorável para que ela ocorra. Este ambiente fraudulento pode ser caracterizado através dos chamados red flags (sinais de alerta ou fatores de risco) Os red flags são sintomas, sinais, que podem evidenciar a ocorrência de uma fraude. Pode-se dizer que estes sinais funcionam como um “termômetro” na prevenção e detecção das fraudes.

Obviamente, diversos red flags poderiam estar presentes dentro de uma empresa e não ocorrer uma fraude. Neste sentido, estes indicadores apenas alertam sobre o possível risco de uma fraude, sendo que esta somente poderá ser caracterizada através de uma prova, apreciação.

A literatura apresenta três elementos muito comuns nos casos de fraudes: pressão, visão e oportunidade. Estes três elementos compõem o chamado triângulo das fraudes (fraud triangle).

A pressão para se cometer uma fraude poderia resultar de um problema financeiro como dívidas, perdas e compromissos atrasados. Esta pressão poderia derivar de uma necessidade de se evidenciar uma situação econômico-financeira favorável diante de acionistas e analistas.

A visão do ato fraudulento refere-se basicamente a como o indivíduo enxerga a fraude, a racionalização do ato fraudulento. Em muitos casos de fraudes, criminosos alegam serem inocentes, sem culpa. Logo, pode-se dizer que eles racionalizam a fraude como um ato necessário e aceitável. Alguns gestores, por exemplo, acreditam que “sonegar impostos, é normal, pois todo mundo sonega”, ou que “ninguém descobrirá essa fraude, e no final das contas vai ser melhor para a entidade”. Deste modo, pode-se dizer que a racionalização ajuda o fraudador a se sentir mais confortável na hora de cometer um ato fraudulento. 

O terceiro e último elemento do triângulo das fraudes refere-se basicamente às oportunidades para a realização do ato fraudulento. De um modo geral, pode-se dizer que a inexistência de um sistema de controle interno eficaz possibilita oportunidades para a realização fraude.

Investidor – Sherlock Holmes

Assim como Sherlock Holmes buscava por pistas para desvendar os crimes, o investidor deve estar atento aos red flags e ao risco de fraude nas demonstrações financeiras.

Isto porque a perda de capital decorrente do investimento em uma empresa que comete fraude tende a ser definitiva. De fato, na maior parte dos casos as empresas não sobrevivem; e quando fazem, dificilmente recuperam novamente a confiança dos investidores.

Neste sentido, a compreensão do tema ajuda os investidores a evitar a compra dos papéis de tais empresas; ou ainda, para os adeptos do short selling, identificar uma companhia que frauda seus Balanços pode ser uma oportunidade de lucrar com o investimento ao mesmo tempo em que auxilia no combate deste ilícito, o qual compromete o combustível que alimenta o mercado de capitais: a informação.


Fernando Dal-Ri Murcia, diretor de Pesquisas da FIPECAFI e professor da USP



Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 9,90/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

Acompanhe a newsletter

Leia também

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.