Em evento promovido pela CAPITAL ABERTO, representante de empresa colhida pela Operação Lava Jato queixou-se de que a companhia havia extinguido 100 mil postos de trabalho e que, portanto, seria hora de a sociedade parar de cobrar. Achei a manifestação desesperada e ingênua. Desesperada porque insensível ao ressentimento social que os ilícitos investigados — comprovados, alguns punidos — provocam. Ingênua por pressupor que o restabelecimento da reputação se dará por meio de programas de governança e compliance, acordos de leniência, pagamentos de multas e monitoramento.
O ressentimento social persiste. Primeiro, a sociedade hesita: carnívoro submetido a dieta vegetariana torna-se vegano da noite para o dia? Segundo: os que prezam pela subsistência da empresa agastam-se com o fato de personagens perpetradores dos ilícitos continuarem a exercer poderes de controle e de gestão.
Em contraste, por maior seja o entusiasmo com que aplaudamos operações como a Lava Jato, observamos o custo social decorrente da extenuação das sociedades empresárias envolvidas em atos de corrupção. Em escala nacional, não há substituto para as empresas comerciais como principal engenho gerador de renda, de acumulação de riqueza e de distribuição de bem-estar. Assim, procedida a apuração de responsabilidade, parece indisputável levar em conta o superior interesse social na preservação dessas companhias (quadro de colaboradores, bens e equipamentos, certificados, fundos de comércio e ativos intangíveis).
Entretanto, com a reputação danificada, a empresa definha e até desaparece. Não há substituto para o comportamento ético. O desafio é transformar essas companhias em sociedades cidadãs, nas quais a saudável busca do lucro não as desvie do exercício transparente da atividade comercial. Há que se promover mudança cultural profunda, para que seja assegurada total integridade. No contexto brasileiro, em que prevalece a figura do acionista controlador, a substituição do “órgão social que exerce o poder de mando na organização” deve constituir providência imediata. Uma sociedade empresária com “caráter fraudador”, com “alma criminosa” precisa ter seu centro de comando alterado.
No caso, a mudança do controle não deve ser vista sob o viés exclusivo de penalidade ao controlador infrator, mas sim como prescrição incontornável para a mitigação do custo social. Alguns juristas entendem que a legislação atual permite (nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica da empresa infratora) alcançar diretamente os sócios e administradores, qualificando-os como autores dos ilícitos. Comungamos com esse entendimento. Todavia, dado que essa interpretação não vem sendo aplicada pelo Judiciário brasileiro, parece adequado o avanço, no texto legal, da compulsoriedade da mudança do controlador como medida imediata e necessária à preservação da sociedade empresária, afastando o risco de interpretação da atual legislação. Essa providência não é inédita, sendo contemplada no âmbito das instituições financeiras sujeitas ao regime da intervenção e liquidação extrajudicial (Lei 6.024/74).
Também a esse respeito, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.208/161. No bojo desse PL há proposta de alteração da Lei 12.846/13, contemplando, dentre as penalidades possíveis (arts. 19 e 19-A), a sanção da “alienação compulsória do controle societário”. O objetivo da mudança legislativa estará melhor atendido se a previsão legal sobrevier flexível, não tendo como foco apenas o caráter punitivo. Deve prever que os órgãos externos de regulação e controle possam promover a alteração organizada do comando da companhia, seja por meio de alienação de controle, seja por meio de qualquer outra operação lícita e usual de mercado.
*Emilio Carazzai ([email protected]) é conselheiro de empresas e foi presidente do conselho de administração do IBGC. João Laudo Camargo ([email protected]) é sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues.
1Em apenso ao PL 3.636/15, cuja proposta tinha por objeto subsidiar o debate a respeito da MP 703/15
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