Há três lições a serem tomadas do precedente envolvendo ex-conselheiros da Petrobras, absolvidos neste mês em processo administrativo sancionador da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) relativo a atos praticados entre 2011 e 2014. São aprendizados referentes principalmente à transparência na divulgação de informações de uma companhia listada, mas também tratam do desafio dos administradores de tomar decisões quando as metas da empresa entram em conflito.
Alegava-se no processo que os conselheiros da Petrobras se desviaram intencionalmente do cumprimento das metas financeiras que eles próprios haviam fixado, tendo em vista não estarem dispostos a ajustar as políticas de preços de combustíveis. Isso, em tese, acarretaria uma violação ao dever fiduciário de lealdade, conforme o artigo 155 da Lei das S.As.
Contudo, Pablo Renteria, então diretor relator do processo, entendeu que não caberia à autarquia questionar o mérito da decisão dos conselheiros de priorizar um dos objetivos conflitantes (não repassar volatilidade dos preços ao consumidor nacional) em detrimento de outro (atingir as metas financeiras). Inclusive pelo fato de a Petrobras ser uma sociedade de economia mista, que tem como objetivo, além do lucro, interesses de natureza pública.
Esse entendimento prevaleceu apesar de o diretor da autarquia ter reconhecido que os conselheiros sabiam da necessidade de implementar aumento de preços de combustíveis para que o endividamento da companhia passasse a convergir com as metas estipuladas (mesmo assim eles não determinaram o reajuste em tempo).
Metas x compromissos
O diretor relatou também que os investidores não foram induzidos a erro pois: metas, projeções ou estimativas representam expectativas da administração quanto a fatos futuros e incertos, e não compromissos firmes; as divulgações ao mercado continham alertas e descreviam os riscos sobre a concretização dessas metas; a Petrobras divulgava trimestralmente seus indicadores financeiros, portanto, os investidores poderiam acompanhar essas informações e fazer seus próprios juízos sobre a evolução da companhia; a política de preços da Petrobras já estabelecia que um dos objetivos era de preservar os preços do consumidor interno — por isso, não deveria ser surpresa para o investidor a perseguição desse objetivo.
O resultado foi a absolvição de todos os acusados, por unanimidade. O precedente não adentra os limites da discricionariedade do administrador de sociedade de economia mista em relação à priorização do interesse público sobre a lucratividade da companhia, por extrapolar os limites da acusação, mas há algumas lições a serem tiradas do episódio.
Lições do episódio
Primeiramente, cabe aos administradores delinear claramente os objetivos e metas da companhia e, havendo situações de potencial conflito entre esses objetivos, deve-se consignar que um objetivo poderá ser priorizado em detrimento a outro — idealmente, inclusive, hierarquizando os objetivos já no plano de metas divulgado ao mercado.
Em segundo lugar, as informações periódicas devem ser detalhadas e demonstrar a evolução da companhia, de modo a permitir ao investidor analisar essa evolução vis-à-vis as metas inicialmente traçadas.
Por último, as informações ao mercado devem sempre conter os alertas e riscos das estratégias tomadas, bem como as potenciais repercussões que decisões tomadas dentro dos limites da business judgement rule (discricionariedade de decisões empresariais do administrador, observados os padrões de diligência e lealdade) podem ter nos resultados ou nos papéis da companhia.
Com essas três medidas, parece-nos que ficaria prejudicado o pleito condenatório de administrador que agiu de boa-fé e com diligência, mesmo que frustre o cumprimento de determinadas metas previamente estabelecidas e divulgadas ao mercado.
Ivo Bari ([email protected]) é bacharel em Direito pela FGV Direito SP, mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP, Professor de Pós-Graduação e sócio de Contencioso Societário do BVZ – Bastos, Bari, Vilela e Zugman Advogados.
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