Em julho deste ano foi publicada a Solução de Consulta proferida pela Coordenação Geral de Tributação (“COSIT”) nº 228 de 2024 (“SC 228/24”) na qual a Receita Federal do Brasil (“RFB”) manifestou entendimento no sentido de que o ganho de capital auferido pelos não residentes em operações de alienação de ações no âmbito da oferta pública com esforços restritos (“OPER”) não está isento da tributação pelo imposto de renda, nos termos do art. 81, §§1º e 2º, “b.1” da Lei 8.981 de 1995[1], por decorrer de operações realizadas fora de ambiente bursátil.
Juntamente com as disposições da Instrução Normativa 1.585 de 2015, da Medida Provisória 2.189-41 de 2001 e observadas determinadas regras e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, o citado dispositivo da Lei 8.981 de 1995 isenta de tributação pelo imposto de renda, o ganho de capital auferido por investidores não residentes em “operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas”, desde que tais investidores não estejam domiciliados em jurisdição com tributação favorecida, conforme art. 24 da Lei 9.430 de 1996.
Entre outros pontos, na SC 228/24, a consulente argumentou que, na OPER, a mencionada isenção do ganho de capital deveria se aplicar uma vez que, tanto o processo de fixação do preço das ações ocorre por meio do chamado “Processo de Bookbuilding”, que se assemelha ao pregão em bolsa de valores, como também a venda efetiva das ações ocorre mediante o pagamento à vista do preço pactuado na data de liquidação da oferta. É somente apenas após a liquidação e o respectivo pagamento que as ações são entregues aos respectivos compradores, evidenciando, portanto, que, neste tipo de oferta pública, as alienações ocorrem dentro de um ambiente bursátil.
Por seu turno, a COSIT reiterou seu posicionamento já manifestado anteriormente na Solução de Consulta SRRF08/Disit nº 389 de 2010 que, para fins tributários, as operações realizadas em bolsa de valores e assemelhadas seriam aquelas que obedecessem às definições e condições estabelecidas nos artigos 116, 119 e 120 da atual Resolução CVM 135 de 2022, os quais, em resumo:
- Estabelecem que o “Mercado de Bolsa” deve funcionar como um sistema centralizado e multilateral de negociação, permitindo a execução de negócios tendo como contraparte um formador de mercado que assuma a obrigação de colocar ofertas firmes de compra e venda. Além disso, as operações devem ser compensadas e liquidadas por uma entidade operadora de infraestrutura do mercado financeiro que assuma a posição de contraparte central;
- Determinam que o ambiente bursátil deve possuir características, procedimentos e regras previamente estabelecidos e divulgados, de forma a permitir (a) a regular formação de preços, (b) a visibilidade e o registro das operações; e, (c) a disseminação pública das ofertas suficiente à boa informação do mercado e a formação de preços.
- Preveem que, em relação às negociações ocorridas em bolsa deverão (á): (a) ser coibidas as fraudes e manipulações de preços; (b) ser assegurada a igualdade de tratamento aos participantes, conforme normas estipuladas em regulamento deverá ser assegurada; (c) ser evitadas práticas não equitativas; e, (d) ser adotados procedimentos especiais de negociação, como de forma a manter a equidade dos investidores e a adequada formação de preços.
Para a COSIT, apenas as operações ocorridas no âmbito da oferta pública de distribuição secundária, regulamentada até 01.01.2023 pela Instrução CVM 400 de 2003, cumpririam com os requisitos necessários para serem consideradas operações em bolsa. Desta forma, a OPER, originalmente regulada pela Instrução CVM 476 de 2009, possui especificidades que a diferem, na essência, da oferta pública de distribuição secundária impedindo que suas operações sejam consideradas operações em bolsa para fins tributários.
Nos termos da SC 228/24 e com base na Instrução CVM 476 de 2009[2], a OPER:
- ao não permitir a busca pública por investidores, através dos meios comuns de comunicação, possui um alcance restrito ao público em geral já que sua publicidade é limitada;
- é destinada a uma categoria específica de investidores denominados “investidores profissionais”; e,
- pode não se encerrar de forma imediata uma vez que é admitida sua extensão por até 6 (seis) meses.
Sem adentrar nos contornos específicos da oferta pública de distribuição secundária da Instrução CVM 400 de 2003, até porque não é necessário, importante ressaltar que tanto a Instrução CVM 400 de 2003, quanto a Instrução CVM 476 de 2009 foram revogadas pela Resolução CVM 160 de 2022 a qual reuniu e disciplinou em um mesmo diploma normativo, as espécies possíveis de oferta pública. Atualmente, o que era denominado “oferta pública com esforços restritos”, possui a denominação de “oferta subsequente de ações” (“OSA”) e conta com aspectos específicos que a diferem dos outros tipos de oferta pública igualmente regulamentados pela Resolução CVM 160 de 2022.
A atual OSA não deixa de ser, na essência, uma oferta pública que tão somente apresenta um rito próprio com formalidades e critérios específicos de publicidade e público-alvo. Ou seja, tanto no âmbito da Instrução CVM 476 de 2009, quanto da Resolução CVM 160 de 2022, a antiga OPER e atual OSA possui critérios mais simplificados pois se destina a priori a atender um público específico de investidores que já conhecem o sistema e mecânica do mercado financeiro e de capitais, fato que não a descaracteriza de uma oferta pública em absoluto. A OSA nada mais é do que uma “espécie” do “gênero” oferta pública cuja precificação e, principalmente, a liquidação financeira dos ativos se dá através de rito e de agentes típicos de ambiente bursátil nos termos dos artigos 116, 119 e 120 da Resolução CVM 135 de 2022.
Aliás, o art. 26 da Resolução CVM 160 de 2022 inclusive prevê que a OSA pode ampliar seu público-alvo, estendendo a oferta para o público em geral e não apenas para investidores profissionais, desde que sejam apresentados determinados documentos e/ou a CVM analise previamente o requerimento de registro da OSA, deixando claro, portanto, que as diferenças entre a OPER/OSA e a oferta pública anteriormente regulada pela Instrução CVM 400 de 20023 não são tão significativas, especialmente, no que se refere à liquidação dos ativos em ambiente bursátil.
Na realidade, da perspectiva tributária, o principal ponto foi deliberadamente ignorado pela SC 228/2024. A despeito de se conjecturar acerca das normas e procedimentos do Conselho Monetário Nacional aos quais somente a este e seus agentes caberia analisar e definir o que deve ser entendido, neste caso, como ambiente bursátil, a RFB ignorou justamente o fato de que para haver tributação sobre a renda é necessário pois, auferir renda, tal como determina o art. 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”).
No agravo de instrumento 5022349-52.2021.4.03.0000, interposto contra indeferimento de pedido de liminar em mandado de segurança preventivo, o TRF da 3ª Região deferiu o pedido do contribuinte quanto a inexigibilidade do imposto de renda retido na fonte sobre o ganho de capital decorrente da alienação de ações via Oferta Pública Inicial (“IPO”) justamente com base no argumento de que o fato gerador do imposto de rendaocorre somente quando háacréscimo patrimonial do contribuinte, nos termos do art. 43 do CTN.
Nesta decisão, o TRF da 3ª Região recorreu a decisões proferidas pelos Tribunais Superiores para sustentar que, a despeito das peculiaridades do caso, também na operação de IPO, o acréscimo patrimonial efetivo se dá somente no momento da liquidação da oferta em leilão pela Bolsa de Valores. Abaixo, alguns trechos de decisões mencionadas no agravo em questão:
“(…) 2. A teor do disposto no art. 43 do CTN, o aspecto material da regra matriz de incidência tributária do Imposto de Renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, sendo certo que o conceito de renda envolve o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. 3. Logo, renda, para fins de incidência tributária, pressupõe acréscimo patrimonial ao longo de determinado período, ou seja, riqueza nova agregada ao patrimônio do contribuinte. Consoante jurisprudência firmada nesta Corte Superior, o imposto sobre a renda incide sobre o produto da atividade de auferir renda ou proventos de qualquer natureza, que constitua riqueza nova agregada ao patrimônio do contribuinte, e deve se pautar pelos princípios da progressividade, generalidade, universalidade e capacidade contributiva, nos termos dos artigos 153, III, § 2o., I, e 145, § 1o. da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (…) (EREsp. 1.057.912 / SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 26.4.2011).
(…). 2. Como já mencionado em outra ocasião por esta Corte, “não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade financeira. Enquanto esta última (disponibilidade financeira) se refere à imediata ‘utilidade’ da renda, a segunda (disponibilidade econômica) está atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da existência de recursos financeiros” (REsp. Nº 983.134 – RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 3.4.2008).
Embora existam diferenças quanto à divulgação, público-alvo e prazo de enceramento, e estas são diferenças meramente operacionais, fato é que, do ponto de vista tributário, o acréscimo patrimonial ocorre somente com a liquidação em bolsa.
Na realidade – e esta é uma discussão antiga – as características da OPER, hoje OSA, que a SC 228/2024 apontou como imperiosas para desqualificar suas operações como operações em bolsa não são em absoluto incompatíveis com os artigos 116, 119 e 120 da Resolução CVM 135 de 2022. São, pois, características específicas de um tipo de oferta pública devidamente regulamentada por seu órgão regulador que possui a prerrogativa e a competência para estabelecer as exigências que os agentes deverão cumprir de modo a implementar a respectiva oferta.
Em outras palavras, a nosso ver, não caberia à RFB examinar se determinado tipo de oferta pública condiz com o conceito de “operações em bolsa” nos termos estabelecidos pelo legislador regulatório e tampouco definir um conceito que só se serve para fins tributários que, por sinal, não existe na legislação tributária. Pelo contrário, o §5º do art. 81 da Lei 8.981 de 1995 determina expressamente que fazem jus a isenção de trata os §§1º e 2º, “b.1” as entidades que atenderem às normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Ao se ater às especificidades da norma regulatória, ficou claro que a interpretação da RFB na SC 228/2024 se revestiu exclusivamente de caráter arrecadatório já que ignorou o elemento básico para a correta incidência do imposto de renda, nos termos do art. 43 do CTN, o qual era de sua competência e função analisar.
Aline Bauermeister é sócia de Tax do FM/Derraik Advogados
[1] “Art. 81. Ficam sujeitos ao Imposto de Renda na fonte, à alíquota de dez por cento, os rendimentos auferidos:
I – pelas entidades mencionadas nos arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 2.285, de 23 de julho de 1986;
II – pelas sociedades de investimento a que se refere o art. 49 da Lei nº 4.728, de 1965, de que participem, exclusivamente, investidores estrangeiros;
III – pelas carteiras de valores mobiliários, inclusive vinculadas à emissão, no exterior, de certificados representativos de ações, mantidas, exclusivamente, por investidores estrangeiros.
§ 1º Os ganhos de capital ficam excluídos da incidência do Imposto de Renda quando auferidos e distribuídos, sob qualquer forma e a qualquer título, inclusive em decorrência de liquidação parcial ou total do investimento pelos fundos, sociedades ou carteiras referidos no caput deste artigo.
§ 2º Para os efeitos deste artigo, consideram-se:
b) ganhos de capital, os resultados positivos auferidos:
b.1) nas operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, com exceção das operações conjugadas de que trata a alínea a do § 4º do art. 65;
(…)
§ 5º O disposto neste artigo alcança, exclusivamente, as entidades que atenderem às normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, não se aplicando, entretanto, aos fundos em condomínio referidos no art. 80.
(…).”
[2] “Art. 2º As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos deverão ser destinadas exclusivamente a investidores profissionais, conforme definido em regulamentação específica, e intermediadas por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários.
Parágrafo único. Não será permitida a busca de investidores através de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores”.
“Art. 3º Nas ofertas públicas distribuídas com esforços restritos:
I – será permitida a procura de, no máximo, 75 (setenta e cinco) investidores profissionais, conforme definido em regulamentação específica; e
II – os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 50 (cinquenta) investidores profissionais”.
“Art. 8º O encerramento de oferta pública distribuída com esforços restritos deverá ser informado pelo intermediário líder à CVM, no prazo de 5 (cinco) dias, contado de seu encerramento.
§2º Caso a oferta pública distribuída com esforços restritos não seja encerrada dentro de 6 (seis) meses de seu início, o intermediário líder deverá realizar a comunicação de que trata o caput com os dados então disponíveis, complementando-os semestralmente até o encerramento”.
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