A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já incluiu na sua agenda recente a revisão da estrutura regulatória de ofertas públicas e poderia aproveitar a atual inclinação do governo à liberalização econômica para dar início a uma nova rodada de flexibilização do regime de registro de ofertas públicas, a fim de reduzir ineficiências.
Denomina-se oferta pública de distribuição o mecanismo que viabiliza a tomada, por agentes deficitários, de recursos oriundos da poupança popular por meio da comercialização de valores mobiliários. De acordo com a Instrução 400 e o art. 19 da Lei 6.385/76, ofertas públicas dependem de prévio registro na CVM. Dentre os documentos que devem ser submetidos ao regulador no âmbito de uma oferta pública e disponibilizados ao mercado após o registro, o prospecto é um dos mais relevantes e conhecidos.
Embora o prospecto seja documento obrigatório, o art. 4º da Instrução 400 prevê que a CVM poderá acatar pedidos fundamentados de dispensa do cumprimento de alguns dos seus requisitos, incluindo a própria apresentação do prospecto. A concessão da dispensa depende da avaliação da CVM sobre certas características da oferta — como, por exemplo, se será destinada apenas a investidores qualificados ou profissionais. A regulação assume que investidores qualificados e profissionais (definidos nos termos da Instrução 539) detêm conhecimento mais sofisticado sobre o mercado, de modo que lhes são dispensadas a aplicação de certas proteções conferidas aos investidores de varejo.
A fim de conferir maior agilidade às ofertas públicas, a CVM publicou em 2009 a Instrução 476, por meio da qual regulou ofertas públicas distribuídas com esforços restritos. Nesses casos, o registro prévio é dispensado automaticamente (assim como a necessidade de apresentação de prospecto), mas, em contrapartida, são estabelecidas limitações de natureza quantitativa e qualitativa dos investidores que poderão adquirir os valores mobiliários distribuídos.
Apesar de a Instrução 476 ter representado um avanço, a partir da sua promulgação a CVM passou a ser mais comedida no deferimento de pedidos de dispensa de apresentação de prospecto. Isso decorreu do entendimento de que os agentes que pretendem fazer uma oferta sem necessidade de apresentação de prospecto poderiam recorrer ao regime simplificado previsto na Instrução 476.
Ocorre que os regimes existentes de ofertas públicas criam uma lacuna para as ofertas cujas características justificariam um regime simplificado para registro e efetivação, mas que não se enquadram nos parâmetros da Instrução 476 — assim, elas acabam tendo que se sujeitar ao mais longo e custoso procedimento previsto na Instrução 400, com a elaboração de documentos e atendimento a requisitos que, no fim das contas, significam relevante dispêndio de tempo e recursos.
Um regime simplificado de ofertas públicas poderia ser instituído para abarcar outros tipos de ofertas cujas características já se mostrariam suficientes para solicitação de dispensas de registro ou de cumprimento de requisitos, nos termos da mais abrangente Instrução 400. Esse seria o caso, por exemplo, de ofertas públicas destinadas exclusivamente a investidores qualificados, cujo registro é atualmente condicionado à apresentação de prospecto. Essas ofertas não são abarcadas pela Instrução 476 (que só se aplica a ofertas destinadas a número restrito de investidores profissionais), mas o fato de uma oferta ser destinada exclusivamente a investidores qualificados já justificaria a formulação de pedido de dispensa, nos termos do art. 4º, §1º da Instrução 400.
Tendo em vista que a regulação presume que investidores qualificados têm conhecimento necessário para compreender os riscos de ofertas públicas, um novo regime simplificado de registro poderia prever que qualquer oferta pública destinada a investidores qualificados estaria automaticamente dispensada da apresentação de prospecto.
A instituição de dispensa automática de apresentação de prospecto em ofertas públicas destinadas exclusivamente a investidores qualificados não representaria um afastamento da CVM desses casos: ela continuaria fiscalizando a conduta dos participantes da oferta e buscando o enforcement do regime legal a eles aplicável. Por outro lado, a dispensa permitiria a redução dos custos incorridos tanto pelo mercado, para a produção do prospecto, quanto pela própria CVM, que deixaria de exercer a burocrática função de verificar o fornecimento de informações específicas a um público investidor altamente sofisticado.
*Breno Casiuch ([email protected]). Colaborou Marina Sertã ([email protected]). Ambos são associados de Chediak Advogados
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