O mês era julho de 2008. Tinha acabado de concluir um LLM e um MBA em Chicago e estava chegando à Holanda para um período de trabalho (“secondment”) no maior escritório do país especializado em planejamento societário e tributário internacional. Estava muito animado com a ideia de analisar e implementar estruturas societárias e tributárias complexas que viabilizassem planejamentos de expansão internacional de empresas brasileiras. O momento econômico era perfeito. O Brasil apresentava resultados extraordinários, enquanto o mundo desenvolvido sofria com a crise de 2008.
O fluxo de trabalho do Brasil para a Holanda era incrível. O objetivo era analisar e confirmar junto às autoridades holandesas (ou luxemburguesas, ou belgas) a viabilidade da abertura de novas companhias cujos administradores seriam empresas ou indivíduos brasileiros.
Após a confirmação de que as empresas idealizadas nas formas pretendidas poderiam ser implementadas com os impactos modulados, era necessária a contratação de provedores de serviços, que cuidariam da manutenção desses negócios de uma forma geral, considerando domicílio, entrega de declarações, contabilidade etc.
A fase realmente era incrível. E os custos eram acessíveis a todos os empreendedores brasileiros — empresas grandes, médias e pequenas. Naquele período, os valores cobrados pelos provedores de serviços começavam em 3 mil euros por empresa, o que permitia a implementação de diversas empresas para diferentes grupos e perfis de empresários brasileiros que se lançavam em novos negócios pela Europa.
Ocorre que ao longo desses últimos 11 anos, a animação para o investimento no exterior arrefeceu. A situação da economia brasileira certamente foi um muito relevante para essa freada de investimentos externos. Mas um fator que chamou (e tem chamado) muito a atenção foi a escalada de preços cobrados pelos provedores de serviços, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos e a Europa passaram a adotar regras de transparência e normas anticorrupção. Holanda, Luxemburgo e Bélgica acompanharam o movimento.
Nesse embalo, os provedores de serviços “adequaram” suas cobranças a essa nova realidade. O problema é que a nova adaptação de valores cobrados atingiu patamares proibitivos — aproximadamente de 25 mil euros a 30 mil euros por estrutura. As diversas exigências e os custos elevados acabaram criando uma barreira natural à busca por internacionalização.
Não se discute a importância das normas de transparência e anticorrupção. O que se questiona é justificativa apresentada pelos provedores para a cobrança de valores tão altos para qualquer estrutura internacional, independentemente da complexidade. É compreensível que os provedores de serviços passaram a ter mais demandas: mais transparência e normas anticorrupção de fato exigem alguns procedimentos antes não contemplados. Mas existe um exagero que certamente continuará barrando a implementação de novas sociedades no exterior.
A expectativa de crescimento da economia brasileira pode incentivar alguns empreendedores a apostar novamente nos mercados internacionais. Mas a animação de dez anos atrás, vivenciada naquele escritório holandês, com sua área especializada em Brasil (denominávamos “Brazil desk”), será afetada e deixará um gosto amargo quando apresentados os custos de implementação de uma sociedade na Europa.
Ou seja, cumprir todas as regras de transparência e normas anticorrupção parece ser natural. Estranhos mesmo (ou melhor, difíceis de justificar e explicar para o empreendedor brasileiro) são os valores cobrados pelos provedores para se implementar e manter uma sociedade no exterior. O empreendedor brasileiro precisará enfrentar mais essa barreira ao se lançar nesse desafio.
*Alamy Candido ([email protected]) é sócio-fundador do escritório Candido Martins Advogados
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