Em 4 de junho de 2021, o Brasil assinou a Convenção das Nações Unidas sobre Acordos de Transação Internacionais Resultantes da Mediação, mais conhecida como Convenção de Singapura, pendente, agora, de aprovação pelo Congresso Nacional, para posterior ratificação pelo presidente da República.
A Convenção de Singapura foi adotada, por consenso, pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 2018 e, em que pese o atraso do Brasil em assiná-la, é considerada como o mais recente e significativo avanço no campo da mediação empresarial. Conforme seu preâmbulo, a convenção busca contribuir para o desenvolvimento harmônico de relações comerciais internacionais entre países com diferentes sistemas legais, sociais e econômicos.
A convenção trata de acordos decorrentes de procedimentos privados de mediação comercial internacional, especialmente sobre a execução do que foi pactuado entre partes de países signatários distintos ou que possuam seus estabelecimentos comerciais em nações diversas do local de cumprimento do acordo ou do local que mais guarda relação com o seu objeto. Com a convenção, fica garantido às partes conhecimento prévio sobre as consequências das ações na mediação, bem como do acordo, cujo cumprimento poderá ser requerido de modo simplificado em outro país signatário.
Para que o acordo seja exequível em outro país signatário, é necessário que as partes apresentem à autoridade competente (não definida pela convenção, mas que deve examinar o pedido de execução de modo célere) o acordo assinado, que poderá ser traduzido para o idioma do local onde a execução é requerida, e as provas de que ele decorre de mediação.
Mediação versus arbitragem
No âmbito internacional, era comum que houvesse hesitação em levar controvérsias comerciais à mediação, principalmente porque as partes tinham que lidar com a incerteza de que um acordo não cumprido decorrente desse mecanismo poderia ser de difícil execução em outro país.
Esse fato foi refletido na pesquisa “International Dispute Resolution Survey Final Report 2020”, realizada pela Singapore International Dispute Resolution Academy (SIDRA) em 2020. Ela estudou as preferências, experiências e perspectivas de advogados, assessores jurídicos, executivos e assessores internos de empresas na escolha e uso dos diferentes métodos de solução de controvérsias comerciais internacionais entre 2016 e 2018, ou seja, antes da Convenção de Singapura. A pesquisa foi publicada em julho de 2020 e está disponível no site da SIDRA.
A SIDRA constatou que o fator que mais influencia a escolha do mecanismo de solução de controvérsias internacionais é a execução das sentenças e/ou dos acordos (71%), seguido pela neutralidade/imparcialidade do árbitro, do juiz e/ou do mediador (56%) e pelos custos (47%). Com base nesse panorama, a mediação ocupou o quarto lugar, após, em ordem crescente, arbitragem, judiciário e métodos híbridos, como arbitragem-mediação ou mediação-arbitragem.
Em termos de execução de sentença, a arbitragem figura como método preferível. Desde 1958 (e, no Brasil, a partir de 2002, com a promulgação do Decreto 4.311), os países signatários da Convenção de Nova York passaram a contar com um tratado sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, conferindo, assim, maior eficiência e divulgação para o instituto internacionalmente.
Com a adoção do conteúdo dessa convenção pelo Brasil, participantes internacionais passaram a se sentir mais seguros para celebrarem com players nacionais contratos comerciais com cláusulas arbitrais.
Acredita-se que o mesmo ocorrerá com a mediação diante da Convenção de Singapura. Ainda que o Brasil tenha uma Lei de Mediação (Lei 13.140/15), a adoção de uma convenção internacional sobre o tema como parâmetro de segurança jurídica pode aumentar o uso do método e a credibilidade do País no cenário global.
Melhora no ambiente de negócios
Cerca de 54 países já assinaram a Convenção de Singapura, incluindo China e Estados Unidos, grandes parceiros comerciais do Brasil. De acordo com o site do governo federal, os impactos econômicos da adesão do País serão positivos, sobretudo para a atratividade dos negócios, em linha com os princípios de liberdade econômica. A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE), ligada ao Ministério da Economia, ressalta ainda que a adesão reflete na pontuação do Brasil no Índice Doing Business, do Banco Mundial, uma vez que a mediação e a arbitragem são critérios de avaliação de processos de solução de controvérsias e cumprimento de contratos mais ágeis e simples, que facilitam atividades comerciais.
Para o ambiente de negócios, principalmente em questões envolvendo investimentos estrangeiros, é benéfica a possibilidade de adoção de métodos de solução de conflitos alternativos. Isso porque os investidores internacionais tendem a evitar investir em nações cujas controvérsias são decididas pelo Poder Judiciário local, principalmente pelo fato de serem resolvidas por um dos poderes que, afinal, integra o cenário institucional-político de um dos países em disputa. A mediação é um método autocompositivo, em que a controvérsia não é decidida por um terceiro. O mediador está à disposição das partes para auxiliá-las na condução do processo, aplicando técnicas que possibilitam um acordo.
Em um cenário de crise econômica, mecanismos para a retomada e melhora do ambiente de negócios são muito bem-vindos. A assinatura da Convenção de Singapura pelo Brasil caminha nesse sentido e pode auxiliar na atração de capital externo.
Amanda Federico Lopes Fernandes é mestre em Direito Processual Civil e bacharel pela Faculdade de Direito da USP, advogada sênior da MAMG Advogados, mediadora e professora da pós-graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas. Giulia Spalletta é bacharel em Direito pela FGV Direito, com graduação sanduíche na Université Paris Dauphine-PSL (Paris IX) e com especialização em arbitragem pela FGV, além de advogada da MAMG Advogados.
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