Uma economia mais sustentável reduz consideravelmente riscos morais, sanitários, climáticos e sociais. E isso pode ser um ótimo negócio. A transição para uma economia de baixo carbono, mitigadora de riscos climáticos e ambientais, estruturada sobre cadeias de infraestrutura inteligente, inovação industrial (incluindo gestão de resíduos) e agricultura sustentável poderia gerar um ganho no PIB do Brasil da ordem de 2,8 trilhões de reais1. Nessa equação, novas tecnologias são críticas para 80% das oportunidades de negócios2. Essa transição valorizaria a marca Brasil no mundo e fortaleceria a posição do País como potência agroclimática, amenizando efeitos do aquecimento global.
Mas o Brasil é um país que mescla numerosas oportunidades de negócios com imensas barreiras socioeconômicas e institucionais. Inclusão educacional, tecnológica e econômica de boa parte da população é essencial para sustentar uma plataforma robusta de desenvolvimento. A agricultura familiar, por exemplo, emprega cerca de 10 milhões de pessoas (ou 67% da mão de obra do setor agropecuário brasileiro). Essa população carece de profissionalização e acesso a capital e tecnologia.
Há 5,5 milhões de jovens na faixa de 14 a 25 anos sem estudo nem trabalho, aguardando oportunidades para ingressar em uma atividade produtiva que possibilite acesso a consumo e renda. Segundo o IBGE, um em cada três brasileiros não tem conta bancária: são 45 milhões de brasileiros sem acesso a instrumentos financeiros. Seis em cada dez desbancarizados são mulheres. Sete em cada dez, ou 69%, são pretos ou pardos.
Outro problema é a escassez de capital em modelos escaláveis que apoiem desenvolvimento com olhar para diversidade e impacto. Sem educação, recursos e tecnologias ficarão concentrados e acentuarão desigualdades. A ONU estima a necessidade de 4 trilhões de dólares para promoção dos seus objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030. Governos assumem grande parte dessa conta. Ainda assim, a organização estima um hiato de 2,5 trilhões de dólares.
Blended finance como caminho promissor
Por tudo isso, torna-se urgente a exploração de novos modelos de financiamento, capazes de fechar essa conta. Um dos promissores é o blended finance, que une capital público ou filantrópico (absorvendo riscos, gerando garantias e/ou aportando conhecimento) ao capital privado que busca retorno financeiro por meio de escalabilidade.
Blended finance é um modelo de estruturação. Não é a mesma coisa que investimento de impacto (que é uma abordagem de investimento), embora muitos investidores de impacto utilizem esse tipo de estruturação. Também não se trata de uma ferramenta financeira; é um modelo de estruturação que pode se valer de vários instrumentais: cota para diminuição de custo de capital e/ou absorção de perdas, lastro ou garantia que reduza risco, pagamento por serviços de assistência técnica, pagamento pelo desenho da estruturação.
Tomemos como exemplo o crédito para o pequeno produtor rural. Financiamentos para esse segmento são escassos pelo alto risco de inadimplência e pelo baixo retorno. Isso acontece porque esse grupo é altamente carente de profissionalização quanto à utilização desse recurso para melhoria da produtividade. Em uma estruturação blended, um capital “filantrópico” (concedido sem expectativa de retorno) poderia arcar com custos de formação dessa força de trabalho. Mais profissionalizado, esse grupo estaria mais bem preparado para tomar crédito com menor risco de inadimplência.
Capital filantrópico e investimento de impacto
Nesse caso hipotético, as primeiras perdas também poderiam ser absorvidas na camada de capital “filantrópico”, que reduziria as taxas para o tomador do crédito. A mesma estruturação envolve um grupo de investidores que prioriza impacto social (eles arcam com os custos de formação e maiores riscos ou perdas); há ainda outro grupo, que participa com a expectativa de retorno financeiro (concessão de crédito).
A entrada do capital “filantrópico” nessa estruturação permite o desenvolvimento do negócio até um patamar que seja atrativo (pela possibilidade de gerar retornos que compensem riscos) para entrada do capital privado, que, por sua vez, gera uma escala para maior impacto que apenas o capital filantrópico não alcançaria sozinho.
Mercado bilionário
Um recém-lançado relatório da Convergence3 estima um mercado para blended finance de 144 bilhões de dólares. A maioria dos investimentos está em energia e serviços financeiros, mas há significativos vetores de crescimento em agricultura, saúde e educação para os próximos anos. O investimento na América Latina também tende a crescer.
As estruturas de blended finance têm contado com a participação de bancos de desenvolvimento, agências de fomento, organizações não governamentais, bancos comerciais e empresas multinacionais. Há ainda baixa presença da indústria de gestão de fundos de investimento e de investidores institucionais —seja por falta de conhecimento ou de projetos que se ajustem aos mandatos, excesso de complexidade ou falta de mecanismos de mensuração e comparabilidade. Um segundo relatório da Convergence mostra que 40% das transações em blended finance não reportam publicamente informações de mensuração de impacto.
Esse novo modelo cria oportunidades de investimento para o capital privado em demandas sociais e ambientais que, por sua vez, alavancam o impacto que o capital filantrópico ou público almeja, fazendo desses últimos grandes catalisadores de transformação. Definitivamente, não se trata de uma panaceia para todos os problemas sociais, que demandam modelos de desenvolvimento que sejam protagonizados e apropriados pelos seus principais beneficiados (e não simplesmente sustentados por recursos que podem ir e vir de acordo com disponibilidade). Nesses modelos de desenvolvimento bem desenhados e orquestrados, a estrutura de blended finance pode fazer muita diferença à medida que se tornar mais conhecida, aprimorada e bem aplicada.
*Carolina da Costa ([email protected]), PhD, é sócia da Mauá Capital para novos negócios com ênfase criação de valor através de sustentabilidade e impacto. Coautoria de Alejandro Schiuma ([email protected]), sócio da Mauá Capital e CIO da área de crédito
1Relatório do World Resource Institute Brasil (WRI)
2World Economic Forum, “The future of the nature and business”, 2020
3“The State of Blended Finance 2020”
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