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A CVM e o dilema da distribuição de lucros dos FIIs
Solução para controvérsia passa pela modernização da norma contábil
A CVM e o dilema da distribuição de lucros dos FIIs
O problema é que a Lei 8.668/93, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos FIIs, está muito mal redigida | Imagem: freepik

Em janeiro, uma decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) envolvendo um fundo imobiliário (FII) com quase 500 mil cotistas surpreendeu o mercado. Nela, a autarquia reforçou um entendimento que havia externado em 2014: a distribuição de lucros deve estar limitada ao saldo de lucros contábeis auferidos pelo fundo. Consequentemente, qualquer distribuição excedente deveria ser tratada como amortização de cotas.

O problema é que a Lei 8.668/93, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos FIIs, está muito mal redigida. Em um mesmo parágrafo, ela mistura conceitos tradicionalmente contábeis e societários — que implicam na observância ao regime de competência — e uma aparente autorização para que o lucro seja apurado com base no regime de caixa. Quando o parágrafo único do artigo 10 da lei utiliza as palavras “lucros auferidos, apurados (…) com base em balanço ou balancete”, parece prestigiar a contabilidade. E é essa a linha do posicionamento da CVM. A parte omitida na frase acima, entretanto, traz a expressão: “segundo o regime de caixa” — motivo pelo qual boa parte dos FII faz a distribuição do lucro caixa, um conceito “jabuticaba” que não guarda qualquer relação com a contabilidade ou a legislação societária.

Ao ser rigorosa na exigência de que a distribuição de resultados do FII se limite ao saldo de lucros contábeis, a CVM visa proteger os investidores, com o intuito de coibir eventuais abusos. Afinal, se um FII paga aos cotistas mais do que os seus resultados auferidos, ele estaria distribuindo parte do próprio investimento, e não apenas a renda gerada.

Cabe ressaltar, ainda, que as atuais regras contábeis impostas pela CVM aos FIIs estipulam que os lucros contábeis são impactados por alguns ajustes temporários. Na atual conjuntura de pandemia e de alta de juros, a desvalorização dos imóveis e dos recebíveis imobiliários resultou em ajustes desse tipo (com boas chances de reversão e que talvez nunca se concretizem). No momento, eles estão reduzindo os lucros contábeis — mas não o caixa — da grande maioria dos FIIs.

Nas mãos da CVM

Diante desse cenário, a indústria de FIIs enfrenta um dilema: esses veículos foram estruturados sob a premissa de distribuição constante da quase totalidade de suas rendas — inclusive por obrigação legal —, mas agora teriam que reter parte dessa renda em seus caixas para fazer frente a ajustes contábeis temporários?

Nessa lógica, um FII proprietário de um imóvel, com renda constante de aluguéis, deixaria de distribuir a renda efetivamente auferida só porque o imóvel sofreu uma desvalorização — o que não afeta seus contratos de locação —, ainda que não tenha a menor intenção em aliená-lo. E se distribuísse todo o caixa líquido, teria que considerar tal distribuição (ou parte dela) como amortização.

A situação não parece razoável e tampouco implementável, uma vez que geraria impactos financeiros e tributários ilógicos aos cotistas. Os FIIs poderiam, dessa forma, se tornar um investimento inviável para boa parte dos 1,5 milhões de cotistas, o que produziria consequências nefastas para o mercado imobiliário como um todo.

A solução para essa questão está agora nas mãos da CVM. E o lado positivo é que, além de não ser das complexas, ela não exige que a autarquia volte atrás em seus recentes posicionamentos. Basta o regulador modernizar a sua norma contábil, para que os ajustes temporários de reavaliação de ativos permanentes não impactem os resultados dos FIIs, sendo registrados em uma conta contábil específica do patrimônio líquido, já adotada pelas companhias de capital aberto reguladas pela CVM.

Assim, as reavaliações de ativos continuariam a ser devidamente demonstradas nos balanços dos FIIs, mas impactariam as distribuições apenas nos casos em que as desvalorizações sejam tangíveis o suficiente para resultarem em potenciais perdas efetivas. Com isso, estariam protegidos os investidores e o espírito desse veículo de investimento fundamental para o mercado imobiliário.


Lucas Dollo ([email protected]) é sócio do NFA Advogados, responsável pela área tributária

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