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“Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”
Marcelo Fonseca, economista chefe da Reag Investimentos
Marcelo Fonseca, economista chefe da Reag Investimentos

Ninguém espera novidades nesta Super Quarta, com reuniões do Banco Central e do Fed americano. Na visão de 10 entre 10 economistas, a Selic permanecerá em 10,50% ao ano e o juro americano entre 5,25% e 5,50%. Já as projeções para a taxa doméstica no segundo semestre começam a apresentar divergências. Há quem acredite na necessidade de alta na Selic garantir a convergência para a meta de inflação de 2025, a 3%. Neste grupo, que vê a necessidade de um aperto adicional na política monetária, está o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca. “Quase tudo piorou desde o último Copom, o balanço de risco está mais assimétrico e o colegiado já pode sinalizar isto no encontro de hoje.”

Com mais de 20 anos atuando no mercado financeiro e passagens por Opportunity, M. Safra e HSBC, Fonseca destaca uma confluência de fatores que tornam “quase inevitável subir o juro” e acrescenta que a taxa alta no mercado americano, mesmo com possíveis cortes no segundo semestre, afeta o Brasil. “Os Estados Unidos estão sendo um aspirador de capitais, do resto do mundo. Isso pressiona moedas e curvas de juros dos emergentes.” Na entrevista à Capital Aberto, Marcelo Fonseca fala sobre política fiscal, os “exageros” na injeção de recursos durante a pandemia nos Estados Unidos e sucessão no Banco Central.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Temos hoje a Super Quarta, com reuniões do Copom e do Fomc. No mercado doméstico é unânime a expectativa de Selic mantida em 10,50% ao ano. Pode ocorrer alguma surpresa?

A manutenção na Selic já vem sendo sinalizada pelo Copom, nível considerado adequado para atingir seus objetivos de controle inflacionário, que é os 3% do centro da meta em 2025. Pelo menos até a reunião passada o sinal era de que o nível atual seria suficiente para a inflação convergir para a meta. A pergunta interessante é se o Copom vai mudar esse entendimento, se vai começar a alterar sua visão sobre o nível atual de juro.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

E na sua visão isto ocorre já nesta reunião?

Minha opinião é que existem quadros dentro do Copom hoje que já entendem que começa a se desenhar um cenário em que  o juro atual não será suficiente para os objetivos da política monetária. Esse entendimento está sob discussão, com alguns elementos do Copom já preocupados com a possibilidade de a inflação não convergir para 3%. Eu acho que o comunicado do Copom hoje e depois a ata, na terça-feira da próxima semana, vão trazer essa discussão, essa divergência crescente de opiniões dentro do comitê.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

O que justifica este debate sobre uma possível ajuste na Selic, para cima? E você acredita que o comunicado será claro, transparente, sobre a divergência?

A forma de elaboração dos comunicados pelo Banco Central utiliza certas liturgias. Por várias razões e talvez a mais importante é que ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Acredito que o Copom vai deixar claro é que o balanço de riscos mudou. Risco de ser a inflação mais alta, risco de ser a inflação mais baixa. E estes riscos estão ficando assimétricos, ou seja, mais riscos de a inflação superar a projeção do que riscos de a inflação ser abaixo. De uma certa forma, ele começa a desenhar um cenário em que vai crescendo a convicção de que em algum momento no futuro, que eu acho próximo, o Copom terá que subir os juros. A inflação projetada pelo Copom já não está em 3%, algo próximo de 3,20%. Quando a gente olha os elementos quantitativos, que são subsídios para esse exercício de futurologia, todos mudaram para pior desde o último Copom. O câmbio mais elevado, as expectativas de inflação, e o entendimento do Copom sobre o aquecimento da economia, medida pelo hiato do produto, tudo mudou para pior. Temos também questões subjetivas em torno disso, que às vezes estão quantificadas, e a principal delas é a questão fiscal. Não existe adjetivo útil que não seja um desarranjo total das contas públicas.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Você não vê nenhuma melhora na questão fiscal no últimos mês, mesmo que subjetivo, no discurso do governo?

Sem juízo de valor, se o ministro A ou B está tentando ou não, o fato é que a estratégia de ajuste fiscal por aumento de receita já naufragou, não existe condição econômica para aumentar a carga tributária a ponto de dar conta do aumento dos gastos da forma como eles estão acontecendo. E sem nenhum desejo de alterar a realidade dos gastos, a questão fiscal pressiona por vários canais. O governo gasta mais e aquece a economia, pressiona os salários que vão ser uma fonte de impacto na inflação futura e eleva os prêmios de risco dos ativos, como o câmbio.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que todos os ministérios terão que reduzir gastos e a Fazenda anunciou um aperto nas contas. Por que o mercado ignora este sinais?

Eu tenho uma sinalização clara para você que eu quero ficar rico. Isto não quer dizer nada, né? O que eu estou fazendo para chegar ao objetivo? Quando falamos com vários especialistas no tema, e eu poderia citar inúmeros, e perguntamos qual o tamanho do desafio a resposta é enorme. Você quase precisa fazer um novo marco fiscal do zero, porque o marco foi quase destruído com o fim do teto de gastos. Precisa fazer uma reformulação completa da estrutura de gastos no Brasil para colocar um sinal de que as contas públicas vão entrar no eixo. É um desafio político e exige de quem vai tomar essa decisão a vontade de pagar esse preço político. E está piorando. Esse trem eu não consigo ver freio. O Copom tem dito que está incomodado e hoje creio que ele muda o balanço de riscos e dirá que ele é mais assimétrico.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Qual a perspectiva para a Selic ao longo do segundo semestre?

Eu acho que uma alta ocorre entre setembro e novembro, ainda sob a presidência do Roberto Campos Neto. Ele não vai querer um legado de que deixou a inflação fora do controle no final de sua gestão. Eu, inclusive, acho que até para o governo seria mais interessante que o Roberto Campos fizesse esse movimento de alta do juro antes da troca. Politicamente é melhor para o governo. Um movimento neste sentido controla a expectativa e acaba com a especulação de que amanhã o próximo banqueiro central vai acomodar e deixar a inflação subir. Eu acho que tem uma confluência toda de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Qual é hoje o juro de equilíbrio, a taxa de equilíbrio que permita controlar a inflação e garantir
algum crescimento econômico?

Tem a visão do Banco Central e eles acreditam que está em torno de 5%. Tem quem veja mais, outros menos, mas na média se for 5,5%, com uma inflação de 4,5%, sobe para 10%, um pouco abaixo da Selic de 10,50%. A questão é que se o juro não cair, tem que ficar apertado, um pouco acima do que seria a taxa de equilíbrio pelo menos por um período. Para você reancorar a expectativa e fazer o serviço. É como se você estivesse dizendo o seguinte. Olha, você precisa apertar um pouquinho o torniquete para parar o vazamento e depois começamos a soltar. Não precisa subir muito, mas alguns pontos e terminaria o ano em 11,25%. Talvez dois movimentos de 25 e 50 bases-points.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

A temperatura entre Campos Neto e o presidente Lula esfriou nas últimas semanas, após um período de troca de farpas veladas ou não que incomodaram. Os ruídos prejudicaram?

Claro. Prejudica por um sentido. Você tem um problema concreto que é a questão fiscal. Se a liderança fala que o problema não é o fiscal, mas o Banco Central, está dizendo que não vê o que precisa ser visto. Esse é um problema, tirar o foco do que precisa ser feito. O segundo problema é o seguinte. Se eu acho que a política monetária está inadequada e eu me sinto confortável em intervir nessa discussão, eu também me sentirei confortável em intervir no próximo Banco Central, inclusive indicando o substituto. Não ajuda na construção de credibilidade, que é inerente a qualquer um que vá assumir o cargo. Já chega pressionado sobre a desconfiança.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Temos hoje a reunião do Fed para decidir o juro americano, com perspectiva de manutenção. Qual a sinalização que se espera do banco central americano?

O Fed aprendeu a duras penas com o episódio da virada do ano, de que não vale a pena se precipitar, especialmente porque a economia está bem. Acho que ele indica que se mantida a tendência de a inflação continuar arrefecendo e do aquecimento gradual da economia, fica meio implícito que o movimento natural é de corte no segundo semestre, em linha com a expectativa do mercado. Eu acho que é uma reunião sem grande emoção. Muito embora as coletivas do Jerome Powell sejam sempre uma caixinha de surpresa. Sobre juro, o corte deve começar em setembro. E pode fechar o ano entre 4,75% e 5%.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Depois do movimento de alta dos juros americanos muitos previam uma recessão, o que não ocorreu. O que explica a resiliência da economia dos Estados Unidos?

Eu acho que tem três coisas. Teve uma dificuldade de quantificar o papel da poupança que as famílias americanas acumularam durante a pandemia, que foi um exagero. As transferências de recursos foram um exagero, erraram na mão. Isso causou o surto inflacionário. Foi um grande erro econômico e político. Se somar os três grandes episódios, foram quase US$ 5 trilhões de transferências. Agora, parece que esse dinheiro, finalmente, acabou. A segunda questão é que, fora as transferências feitas, a política fiscal é um caso muito parecido com o Brasil. Está com o pé no acelerador. Tem mais transferências gigantescas com pagamento de juros sobre a dívida. E tem algo que a gente não consegue quantificar. Guarda a semelhança com algo que o Greenspan viu lá nos anos 90, mas acho que aqui a natureza é diferente. Trata-se do efeito das inovações tecnológicas sobre o crescimento econômico. Existem dezenas de modelos para pedir, mas os economistas olham como se você estivesse comendo meio que o prato feito. Você só consegue trabalhar depois que isso impregnou as séries e entrou nos dados nas séries econômicas. Quando elas acontecem em real time, você não tem mecanismo. São muito precários. Honestamente, a gente não sabe dizer.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

Mesmo que o Fed comece os cortes em setembro, o juro nos Estados Unidos seguirão alto por um tempo. Qual o impacto no mercado brasileiro?

Não temos uma crise, crise é uma outra história. Acho que no fundo é acabou a molezinha. Só isso. Este cenário chega até o Brasil via dólar e curva de juros. Porque lá a curva de juros fica pressionada e ainda mais com a incerteza da eleição americana. É duplamente ruim para os mercados emergentes, porque o fiscal americano vai puxar a curva de juros para cima e o dólar será mantido forte. É um mundo de dólar forte, juro americano alto e renda fixa e renda variável indo bem. Os Estados Unidos estão sendo um aspirador de capitais, do resto do mundo. Isso pressiona moedas e curvas de juros dos emergentes.

Reag, “Tem uma confluência de fatores que deixam quase que inviável não subir os juros até o final do ano”, Capital Aberto

A indicação de Gabriel Galípolo para a sucessão do Campos Neto parece ser uma tendência e há um debate de que poderia ser feita o quanto antes. Qual sua visão?

Seria interessante. Acho que ajudaria. Embora, na prática, como a gente já sabe que está muito reduzido o número, as votações do Copom, eu acho que elas vão servir muito para dar o sinal respeito do comportamento do novo banqueiro central. Confirmando ou não o nome, como há um quase consenso de que o substituto do Campos Neto está dentro do Copom, deduzir a atuação dele é verificar como ele vai se comportar nas votações. O Copom é técnico. A gente não pode nunca menosprezar o papel das outras pessoas. Quando alguém se senta lá, sente o peso da instituição. A cadeira muitas vezes molda o ocupante, não o contrário.


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