Alternando momentos no setor público e outros no privado, Henrique Meirelles é uma daquelas figuras que transita tanto à direita quanto à esquerda do espectro político, sempre com a mesma desenvoltura. Ex-presidente do Banco Central no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), considerado por muitos o grande acerto daquela gestão, Meirelles também foi ministro da Fazenda de Michel Temer (MDB) e comandou a Secretaria da Fazenda de São Paulo, a convite de João Doria (PSDB). Sem falar das passagens pela presidência global do BankBoston, do posto de chairman do Lazard Americas, banco de investimento sediado em Nova York, entre outros cargos privados.
Não é à toa que seu livro “Calma Sob Pressão” tem os ex-presidentes Lula e Temer como autores dos prefácios, destacando, respectivamente, “a lealdade dele ao projeto de crescimento econômico com inclusão social” e o fato de Meirelles “ser um bom ouvinte”. Na entrevista à Capital Aberto, Henrique Meirelles fala sobre política monetária e os desafios de conduzir um Banco Central, elogia a gestão de Campos Neto e fala sobre a transição para o comando de Gabriel Galípolo. Acompanhe:
Hoje temos a esperada Super Quarta, com a expectativa de que o Banco Central do Brasil suba juros e o Fed americano reduza a taxa. Qual sua expectativa?
Os Estados Unidos adotaram, depois da pandemia, um programa muito agressivo de gastos do governo, no governo Joe Biden principalmente. E gerou inflação. O Fed se moveu agressivamente para controlar os preços. Neste momento, há diversos fatores que indicam um certo esfriamento da economia. Claramente, a expectativa é por corte de juros. A dúvida é se o corte será de 0,25 ou de 0,5 ponto percentual. Se o Fed se moverá de uma forma mais agressiva ou mais devagar, é o que todos acompanham.
A proximidade com a eleição americana e a disputa entre Donald Trump e Kamala Harris afeta de alguma forma a condução da política monetária?
Nós estamos falando de questões de entendimento técnico, mas a eleição é uma questão que não pode ser ignorada. Temos programas diametralmente opostos nesse aspecto econômico entre Trump e Kamala. No caso do Trump, o histórico é fazer a diminuição de impostos, tentando impulsionar mais a economia. A Kamala, por outro lado, tem um programa agressivo de gastos, mais radical do que o Trump. Tudo isto afeta o déficit americano. O problema do Fed é que, de um lado, não pode olhar o que vai ocorrer na eleição daqui a algum tempo. O foco é o momento da economia, mas é evidente que eles estão levando em conta. Podemos ter mudanças radicais nos Estados Unidos, no caso do Donald Trump, que tem a visão totalmente diferente do atual presidente Joe Biden, ou da Kamala, que vai radicalizar muito o problema de gastos. Isto leva, certamente, a uma incerteza.
No Brasil, a expectativa é outra, de um aperto nos juros na contramão do que a maioria dos BCs globais tem feito. O que justifica?
Aqui a situação fiscal é bastante forte, acelerada. O governo federal procura conter gastos, buscar fraudes em programas sociais, no BPC, mas são medidas insuficientes para manter o equilíbrio fiscal. É uma política expansionista. O Banco Central, tudo indica, deve subir juros, bem diferente de outros BCs que estão cortando ou mantendo. O último mês construiu uma deflação. O problema é que tem uma série de reajustes, de gasolina, de outras coisas que estão vindo. E o Banco Central está olhando com cuidado para saber se isso é pontual ou uma tendência.
Entre as razões para alta, destacada pelo mercado financeiro, está de um lado a economia aquecida e, de outro, a necessidade de ancoragem das expectativas. O que é mais relevante?
O ponto final é a taxa. É a Selic. A expectativa é um dos dados para a decisão da Selic. Uma inflação mais alta não faz necessariamente o empresário aumentar preços, mas se ele acha que a inflação vai ser alta, ele começa a reajustar antes. Este é o processo inflacionado. No Banco Central, há uma série de modelos matemáticos. Quando eu estive lá, há 18 anos, desenvolvemos muito a precisão desses modelos. Ele roda dados fiscais, da inflação com a Selic atual e com movimentos de alta de 25 ou de 50 pontos, para ver como os preços vão se comportar e se a inflação vai convergir para a meta. É baseado nesses modelos que o Banco Central toma a sua decisão.
Após a pandemia, houve mudanças importantes na dinâmica do comércio global, na oferta de produtos e na demanda que geraram inflação global. Há quem questione os modelos preditivos. Ficou mais difícil conduzir a política monetária?
Na minha visão, não, é igual. Quando eu assumi o Banco Central, por exemplo, a situação era muito pior. Nós tínhamos uma inflação de dois dígitos, chegando a quase 14%. Tivemos que elevar a Selic a 26% ao ano, muito pior do que hoje. Isto dominou a inflação. Outro problema grave que o Brasil tinha na época e outros países, por exemplo, a Argentina, têm até hoje, é a ausência de reservas internacionais. Quando entrei no Banco Central, tinha US$ 36 bilhões de reserva e devia um FMI. Chegou um ponto, em maio do primeiro ano do mandato, que tínhamos US$ 15 bilhões de reserva e devíamos US$ 30 bi ao FMI. O país estava insolvente. Quando eu saí do BC, as reservas eram de US$ 300 bilhões. Isso é muito importante. Dá solidez externa à economia, não deixa faltar uma coisa fundamental, que é a capacidade de importar todos os bens necessários, seja máquina, seja eletrônico, seja comida. Hoje, o Banco Central tem que tomar cuidado para, de um lado, não deixar a inflação subir e, de outro lado, não causar uma recessão. As projeções de inflação vão aumentar um pouco e as expectativas também. É necessário que o Banco Central tome uma atitude realmente, subindo a taxa de juro. Precisa ver se sobe 0,25 e sinaliza continuidade ou se vai ser mais agressivo. A realidade é que a economia está aquecida, taxa de desemprego muito baixa, o que é bom. Emprego é bom. Mas quando a geração de emprego é maior do que a disponibilidade de empregados qualificados para aquela posição, existe um aumento de preço. Isso chama-se inflação.
E como resolvemos esta equação, de gerar empregos que não gerem inflação? Como termos juros nominais mais próximos de outros países?
Em primeiro lugar, tem que achar a taxa de equilíbrio, que estimule a economia sem gerar inflação.O problema é que a incerteza fiscal gera essa subida das taxas de juros. Em segundo lugar, no Brasil, nós temos um histórico de inflações elevadas. Na década de 80, começo de 90, o Brasil teve a maior hiperinflação do mundo, acima de 100% ao ano. Há uma série de distorções na economia e o Brasil é muito propenso a aumentar preços por conta dessas incertezas. Há duas reuniões do Copom, com novos integrantes indicados pelo governo, a divisão do colegiado levou a questionamentos. É importante mostrar uma consistência do BC. Vamos ver agora, com o Gabriel Galípolo assumindo, como será. É importante mostrar que o Banco Central tem um compromisso de controlar a inflação. Outro fator de maior importância é a produtividade da economia brasileira, que é baixa. O grande desafio no momento é primeiro controlar essa questão fiscal e conseguir estabilidade.
O Sr. vê avanços no país nos últimos anos que tenham melhorado o ambiente econômico?
Por exemplo, a reforma trabalhista foi muito importante, porque simplifica as relações de trabalho e gera eficiência. A reforma tributária, aprovada no Congresso, também é importante. Pode melhorar a produtividade para o País. A chamada complexidade tributária é um problema. Uma empresa brasileira gasta, em média, 1.600 horas por ano com burocracia para pagar imposto. Existe ainda a questão da educação, que exige um projeto de longo prazo, necessário. Estive em Cingapura, anos após ter se separado da Malásia, e perguntei ao governante o que ele fez para o país que tinha renda per capita das regiões mais baixas do mundo passar uma renda per capita similar à Europa. Ele disse três coisas importantes: investir em educação, investir em educação e investir em educação. Ele, evidentemente, além disso, fez alguns movimentos importantes de aproveitar a tecnologia, mas a educação foi essencial.
O Galípolo já foi anunciado como o substituto do Roberto Campos Neto. Ele tem uma imagem bastante associada ao governo do PT. Isto pode atrapalhá-lo?
Tem que ser técnico, seguir critérios técnicos. Eu acho que ele tem até uma facilidade, apesar de ser muito livre. O fato de Galípolo ser indicado pelo Lula, de ser ligado pelo governo, dá vantagem a ele, porque isso pode gerar maior confiança. Não vão achar que, se ele sobe o juro, está agindo para prejudicar o governo. Na minha época, tomei medidas duras, subi muito os juros, mas ele (Lula) sabia que não estava fazendo para prejudicá-lo. Isso é muito importante. Eu acho que vai depender muito também da nova diretoria.
Como o Sr. avalia a passagem do Campos Neto pelo Banco Central?
Ele foi um bom presidente, está sendo um bom presidente do Banco Central. Agora, como ele foi nomeado pelo Bolsonaro, isso gera no presidente uma desconfiança. Tem a questão de ele ter sido homenageado por políticos, isso gera uma desconfiança no Planalto. Agora, por outro lado, a gestão foi boa.
Episódios como ir às urnas com camisa verde e amarelo, ou postagens na página oficial do Banco Central no Instagram, entendido por muito como provocação ao governo, atrapalham?
Não, eu acho que é mais o fato de ter sido indicado pelo Bolsonaro. Poderia ter evitado algum churrasco ou usar a camisa verde e amarela. Poderia ter evitado isso sim. Mas eu acho que isso seria menor se ele tivesse sido indicado, por exemplo, pelo presidente Lula.
O Sr. comandou o Banco Central, no governo Lula, do PT, depois trabalhou com Michel Temer, do MDB, e também no governo de João Dória, do PSDB. O senhor é agnóstico do ponto de vista político ao aceitar um cargo? Isto é importante?
A função dos órgãos públicos, principalmente o Banco Central, independente em termos operacionais, na minha época, e agora com independência legal, é trabalhar com qualquer governo, não interessa qual. Ele tem uma função a cumprir. Mesmo na Fazenda (governo Temer), eu apresentei uma série de planos importantes, como o teto de gastos, ele aceitou e seguimos em frente. Eu não tinha nenhuma aliança anterior com Michel Temer. Inclusive, eu o conheci naquela época.
O Sr. pretende voltar a um cargo público ou a se candidatar novamente?
Eu estou muito bem no setor privado. Na minha vida toda, eu estive uma hora no setor privado, em outra no setor público. Eu trabalhei 29 anos com o BankBoston, depois trabalhei como consultor de diversas instituições financeiras, Lazard, KKR, depois Ministério da Fazenda, e mais adiante toquei a economia de São Paulo. E agora estou bem, em uma fase no setor privado. Isso é que é importante.
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