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O longo caminho dos acordos de leniência no Brasil
Patricia Agra* (Ilustração: Rodrigo Auada)

Patricia Agra* (Ilustração: Rodrigo Auada)

O acordo de leniência é a principal ferramenta de investigação de cartéis, a mais nociva das condutas anticompetitivas. Trata-se de um contrato entre o poder público e um indivíduo ou empresa que permite ao Estado identificar um crime e agilizar a investigação. O ente privado confessa a ilegalidade, entrega provas e os demais envolvidos e, em troca, recebe imunidade. Como em todo bom acordo, ambas as partes renunciam a uma parcela de direitos em nome de um benefício maior. Note-se que a leniência não exime o ente privado de ser processado civilmente e de indenizar os lesados.

A Lei 10.149/2000, que adicionou o artigo 35-B à Lei 8.884/94 (antiga Lei de Defesa da Concorrência), introduziu o acordo de leniência. Naqueles termos, para usufruir da proteção, o interessado deveria identificar co-autores, fornecer informações e documentos comprovatórios, ser o primeiro a se qualificar com respeito à infração, cessar seu envolvimento, confessar a própria participação no ilícito e cooperar com as investigações. Era necessário, ainda, que a autoridade não dispusesse de provas suficientes para condenação quando da propositura do acordo. A lei também limitava a participação do líder do cartel ou do organizador da ação.

Sob essas regras, em 2003 foi firmado o primeiro acordo. A partir de então, as autoridades ganharam a confiança do mercado e cresceu o número de acordos: de 2003 a 2005, a extinta SDE só firmou um por ano; em 2015 o Cade fechou outros dez, totalizando 64 em 12 anos. O salto demonstra que a sociedade tem confiança nas autoridades de defesa da concorrência e que a leniência é um mecanismo eficaz de investigação e combate a práticas anticompetitivas.

A Lei 8.884/94 foi substituída pela 12.529/2011, em vigor desde maio de 2012. Os requisitos foram mantidos, mas caiu a restrição ao usufruto do benefício pelo líder do cartel ou pela empresa à frente da conduta. Havia um desafio prático para se identificar e se isolar o(s) agente(s)-líder(es). A determinação restringia mais do que favorecia o uso do instrumento. Foi publicada, em 2013, a Lei 12.846 (Lei Anticorrupção), que inclui o acordo de leniência entre os mecanismos de investigação da responsabilidade de empresas por atos de corrupção. A leniência prevista nessa lei é claramente inspirada na experiência da legislação da defesa da concorrência, mas acaba por não oferecer garantias suficientes para torná-la igualmente atrativa.

O principal desincentivo é o fato de a lei não assegurar imunidade ao beneficiário da leniência, só um desconto em multa. A lei também não prevê a devolução dos documentos apresentados caso o acordo não seja assinado. Sem essa garantia, as empresas não vão querer correr o risco de entregar provas contra si mesmas. Não se exige, ainda, que a empresa seja a primeira a “tocar o gongo”. Isso retira a instabilidade entre os participantes da conduta e anula o atrativo do “quem for antes recebe o melhor benefício”. Há também uma grande confusão em relação a quem seria a autoridade responsável por assinar o acordo: a lei deixa a competência tão aberta que vários órgãos poderiam fazê-lo.

Para aprimorar os incentivos à leniência, no fim de 2015 o governo editou a Medida Provisória 703 (MP 703). Ela inclui a imunidade total para a primeira empresa a firmar o acordo, prevê a devolução de documentos caso não seja firmado e elege os órgãos de controle interno como competentes para assiná-lo, incluindo o Ministério Público.

No entanto, a MP 703 abole o requisito da confissão, o coração da leniência — como alguém pode entregar provas contra os copartícipes sem ter participado da conduta? Além disso, do texto consta a participação das advocacias públicas e dos Tribunais de Contas, que podem instaurar processo administrativo contra a empresa se discordarem do acordo, o que cria um elemento de insegurança.

Em 3 de maio último, o relator da MP 703 na comissão mista especial do Congresso que a analisa apresentou seu relatório alterando a redação: ele excluiu o benefício ao primeiro interessado que se apresentar; manteve a não exigência da confissão e a participação das advocacias públicas; possibilitou, em vez de obrigar, a participação do MP (não mais durante as negociações, mas ao final do processo); e manteve os Tribunais de Contas. Por fim, o relator retirou do objeto da leniência o cartel. Com isso, se houve fraude a licitação por acerto entre concorrentes, os interessados não estarão protegidos e deverão procurar o Cade para fazer outro acordo, o que torna ainda mais difícil o uso desse importante instrumento.

A MP 703, junto com o parecer do relator, deverão ser apresentados para votação no plenário até o dia 29 de maio.


*Patricia Agra ([email protected]) é advogada especialista em defesa da concorrência e compliance e sócia do L.O. Baptista-SVMFA


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