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Mãos do destino
Syllas Tozzini e José Luis Salles Freire
Da esquerda para a direita, os fundadores Syllas Tozzini e José Luis Salles Freire, fundadores da banca Tozzini Freire

Da esquerda para a direita, os fundadores Syllas Tozzini e José Luis Salles Freire, fundadores da banca Tozzini Freire

Muitas parcerias de sucesso nasceram nos bancos da faculdade. A de Syllas Tozzini e José Luis Salles Freire, que deu origem a um dos maiores escritórios de advocacia do País, começou bem antes. “O início foi no ginásio, no colégio Santo Américo”, conta Freire. “Nós nos conhecemos na primeira série ginasial e, por coincidência, sentamos na mesma carteira. Você se lembra como eram as carteiras na época, duplas”, diz Tozzini. A amizade começou em 1963 e foi adiante mesmo depois de o termo “ginásio” desaparecer do sistema educacional e da vida de ambos.

Freire seguiu a receita da família. Encaminhou-se para a Faculdade de Direito da USP, dentro da tradição que remonta ao bisavô, o presidente Campos Salles, também aluno das Arcadas. Já o caminho profissional de Tozzini começou a ser traçado por ocasião de seu intercâmbio nos Estados Unidos, quando um teste vocacional indicaria carreira em “humanas”. Então, ele decidiu: seria jornalista.

Chegou a ingressar em um curso preparatório na volta ao Brasil. Mas um amigo dentista deu a primeira estocada: “Jornalismo? Essa profissão nem existe, nem tem diploma.” E outra, poderosa, veio em seguida: “Veja o Paulo Planet Buarque [comentarista esportivo de destaque na época e depois político]. Ele é advogado, tem diploma.” Assim, o destino levaria também Tozzini para a faculdade do Largo São Francisco. O comedido José Luis é da turma que se formou em dezembro de 1971. O expressivo Tozzini, da turma seguinte, de dezembro de 1972.

Freire, depois de formado, fez curso de extensão em administração de empresas na FGV e foi para o mestrado em direito comparado na Universidade de Nova York. Quando voltou ao País, começou a trabalhar em um escritório próximo da firma em que o antigo colega estagiava, na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Tozzini, em processo de arquivamento definitivo do sonho de ser jornalista, começava a gostar da capa azul do Código Comercial. “Éramos vizinhos de prédio e tomávamos ônibus juntos.”

O bater do martelo para o início da sociedade entre ambos teve novamente as “mãos do destino”, lembra Tozzini. Freire havia sido trainee num conceituado escritório dos Estados Unidos. Um professor da Universidade de Nova York, onde Freire estudou nos anos 1970, o indicou indiretamente para uma sociedade com Tozzini. Entre diversas possibilidades, Freire aceitou ser sócio do antigo camarada. A sociedade levou o nome Tozzini na frente, posição de onde não saiu mais, mesmo depois da aposentadoria e retirada do titular, em 2010.

A firma teria um modelo diferente — atendimento total ao cliente, abandonando o conceito de que o processo “pertencia” ao advogado. Não, o processo pertencia ao cliente, a quem era necessário prestar contas. Essa era a pedra fundamental. “Naquele momento, era inadmissível que o advogado fornecesse cópia do processo ao cliente”, diz Tozzini.

Eles estavam prontos para fisgar o mercado. Primeiro problema: atrair clientes aos 28 anos de idade. Um deixou crescer o bigode (Freire); o outro, barba e bigode. Outra solução: ao se apresentar aos clientes, Syllas dizia que “era filho do Tozzini” e Freire imitava o estratagema. Afinal, todo mundo tem o sobrenome do pai.
A lição de casa era travar relacionamentos. Os dois começaram a tecer uma ambiciosa rede de contatos, com braços nas associações de advogados americanos — ninguém passa por estágio nos Estados Unidos sem aprender isso. “Os brasileiros não tinham esse hábito”, recorda Freire.

A partir dos primeiros anos da década de 1970, a economia brasileira se expandia com o milagre econômico e as possibilidades de investimento estrangeiro em variados setores. “Tinha gente querendo vir para cá, sem saber quem contratar para ajudar com o juridiquês brasileiro”, conta Tozzini, acrescentando que o cliente em potencial precisava ser abordado por eles antes do embarque. “Não tínhamos nome nem idade para esperá-los aqui e competir com
os medalhões.”

Em 1978, participaram da primeira oferta pública de aquisição de controle, da Máquinas Piratininga. Em 1985, trabalharam para nacionalizar a Agroceres. “Os anos 90 foram ótimos”, prossegue Freire, referindo-se à economia do País. Foi no início daquela década que ele teve um pressentimento: o governo iria contratar um consórcio de serviços profissionais para as primeiras licitações de privatização. Pressentimento? “É, a gente ouviu falar de consórcios para privatização em outros países. Conversa daqui, conversa dali, achamos que o governo faria isso também aqui.”

As primeiras privatizações foram marcos históricos na economia brasileira. A inaugural, da Usiminas, em 1991, arrematada pelo grupo Gerdau, uma espécie de queda do muro de Berlim. O escritório ganhou duas licitações do BNDES, que era o órgão responsável pelo suporte financeiro, administrativo e técnico do recém-criado Programa Nacional de Desestatização. Uma vitória estrondosa. Precisavam escolher uma operação, e os sócios optaram pelo trabalho preparatório para a privatização da Usiminas, a primeira marca da escalada do escritório.

Ao mesmo tempo em que as privatizações deslanchavam, surgiam desconfianças em torno dos contratos. Ponto para o Tozzini Freire. “A gente sabia fazer auditoria legal, ninguém no Brasil fazia isso”, pespega Tozzini. “Começamos esse trabalho no prédio da Líbero Badaró, em meio andar. No fim do trabalho, em 1997, ocupávamos 11 andares. Os inquilinos foram saindo e nós, ocupando os seus lugares. Acho que foram umas 11 mudanças no mesmo edifício. Tivemos sorte.”

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Logo depois da privatização da Usiminas, vieram as seguidas compras de bancos: Real, Noroeste, Banespa, Econômico, Sudameris. Muito empenho, muita noite em claro, e o infarto de Freire na mesa de trabalho, aos 41 anos de idade. “Repetidas vezes, o advogado acaba envolvendo-se emocionalmente nas discussões de um contrato ou operação. Não pode, contudo, tirar o foco do trabalho jurídico”, escreveria Freire em um artigo sobre comportamento do advogado de negócios, anos depois. Tudo indica que algum ingrediente da sua própria receita não fora seguido à risca na época.

O coração de Freire baqueou, mas o escritório não parava de crescer. Já era a hora de comemorar? “Nós nunca comemoramos, porque não dava tempo. E porque nós somos idiotas o bastante para não prestar atenção nessas coisas”, continua. “Na Usiminas, nos esfalfamos na auditoria com três ou quatro advogados. A gente centrava e cabeceava a bola. Hoje, esse seria um trabalho para 30 ou 40 profissionais, sem exagero.” Era o momento de abandonar o prurido da perfeição. “A inserção de notas de pé de página no computador era manual. Me lembro que uma das notas me tomou oito horas”, diz. O essencial, acima de tudo, era entregar o que o cliente queria. Na hora certa.

As oportunidades continuariam surgindo, outras privatizações viriam. “Pulamos do lado vendedor para o comprador, representando empresas que queriam fazer aquisições”, diz Freire. O governo pagava menos, explica, e a concorrência entre os escritórios era grande. Os sócios preferiram usar a experiência adquirida para atrair potenciais interessados na compra de empresas. “Nós conhecemos a mentalidade de privatização desse governo, o trabalho dos profissionais do BNDES”, propagandeavam.

As privatizações que ocorreriam até o século virar a folhinha exigiam a criação de departamentos especializados nas atividades econômicas. Só que os escritórios concorrentes já estavam duas gerações à frente nesse quesito. “Foi aí que começamos a contratar advogados ‘velhos’”, diz Tozzini, contrapondo esse movimento à prática anterior de “formar em casa”. O adjetivo não significava idade, mas experiência setorial. Um caso típico foi o da advogada Shin Jae Kim, hoje responsável pela área que coordena assuntos da Coreia e da China, além de corresponsável pelo grupo de compliance e investigação. “Mulher, oriental, estatura baixa. Percebi que estava entrando em uma casa que não menosprezava nada disso”, diz ela. Hoje, a firma tem 60% de mulheres em seus quadros. “Fui contratada grávida”, afirma a advogada Maria Elisa Gualandi Verri.

70-72-3Tozzini e Freire resolveram montar um departamento administrativo dentro do escritório. “Fomos benchmark nisso”, orgulha-se Freire. “Criamos administração financeira, de RH e outras. Organizamos a carreira do advogado contratado e as regras para ele se tornar sócio, tudo por escrito. Em outros escritórios, isso acontecia informalmente. Nem nos Estados Unidos se fazia assim”, diz Tozzini. O plano era funcionar como uma indústria. “Sim, nós somos uma indústria.”

O fundador Tozzini, apesar de mais falante que o sócio, gostava de ficar isolado. “Houve época em que diziam para o Zé que ele tinha inventado uma pessoa ficcional, o Syllas. Era o paraíso: eu ficava numa redoma e tinha o tempo inteiro para fazer o que mais gostava e o que fazia melhor.” Não por acaso a maior briga que os dois sócios tiveram foi pela divisão de tarefas. “Nós não podíamos ocupar o mesmo espaço, apesar de termos a mesma capacidade. Então, eu fiquei exclusivamente com o trabalho interno, e o Zé passou a ter uma vida insana de viagens internacionais para fisgar clientes.”

“Deixar um legado” é a resposta de Freire quando questionado por que não se contentar com um escritório menor e menos trabalhoso. Agora, ele enfrenta as dores da sucessão. Foi criada para os dirigentes a regra de aposentadoria aos 65 anos, com opção de mais cinco anos de atividade consultiva — Freire está justamente nesse último período. “Todo mundo achava que o Zé ia se aposentar primeiro. Mas o vagabundo aqui foi antes, aos 60 anos”, brinca Tozzini, aos risos. Hoje, os valores dessa história iniciada há 39 anos estão formalmente incrustados em uma relação de sete estrelas-guia. O primeiro da lista? Prestação de contas, “disciplina com accountability”. O desafio agora é transplantá-los aos 79 sócios que regem esta firma com 1.085 funcionários — 470 deles, advogados — cinco escritórios espalhados pelo País e um em Nova York. Ao se aposentar, Freire transmitirá inteiramente suas funções. Pela primeira vez, o Tozzini Freire passará às mãos de outra geração.


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