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Mania de acreditar
Marilia Rocca, fundadora da Endeavor Brasil: “Uma aposta pode se concretizar com o esforço e com o tempo”
Foto: Régis Filho

Foto: Régis Filho

A entrevista já está acabando quando a repórter pergunta a Marilia Rocca, administradora de empresas que fundou no Brasil a organização Endeavor, se ela tem alguma mania. Esse tipo de provocação raramente rende respostas curiosas nesta seção Retrato — até porque a maioria das pessoas não percebe (ou não confessa) as próprias esquisitices. Marilia, porém, dá um sorriso maroto e parece nem saber por onde começar. Pela coleção com mais de 300 canecas? Pelo fato de adorar receitar medicamentos aos amigos, interessando-se sinceramente por suas enfermidades e exames? Ou admitindo que não consegue ver uma parede descascando que logo pensa em derrubar tudo e iniciar mais uma “reforminha” no apartamento?

O segredo por trás da sinceridade da resposta talvez esteja em uma palavra que ela repete algumas vezes durante a conversa: autoconhecimento. Não o autoconhecimento “conceitual”, fruto da introspecção, ela explica, e sim aquele descoberto com a prática, ao “botar a mão na massa” — uma oportunidade que ela teve especialmente na Empresa Júnior da Fundação Getulio Vargas (EJFGV), no primeiro ano do curso de administração. “Ali comecei a perceber qual era a minha praia, o quanto gostava de colocar o barco na água”, constata. Sob sua liderança, o número de projetos desenvolvidos pela EJFGV passou de 1 para mais de 30 por mês.

Oportunidades para testar habilidades ela buscava já nos tempos do colégio, quando participava de atividades do grêmio e chegou a organizar um festival de música e um campeonato de futebol feminino. Durante o ensino médio, como treino, prestou vestibulares (e passou) para medicina, jornalismo e veterinária. Na hora H, porém, seguiu um conselho do pai: segundo ele, a faculdade de administração atenderia tanto aos interesses múltiplos quanto ao espírito empreendedor de Marilia. “Eu poderia, por exemplo, administrar um hospital ou uma rede de pet shops”, lembra-se de ter raciocinado na época.

No entanto, antes de ter o próprio negócio (a empresa de produtos naturais Mãe Terra, que adquiriu junto com o empresário Alexandre Borges em 2011), ela acabou assumindo um projeto bem mais ambicioso, que acabaria por colocar no dicionário, literalmente, a palavra empreendedorismo. O encontro entre Marilia e Endeavor foi patrocinado, quase por acaso, por uma espécie de padrinho de sua carreira: o empresário Beto Sicupira, um dos controladores da AB InBev.

“Resolvi sair do Walmart para fazer um MBA na Universidade de Columbia [Nova York]. No fim do curso, começaram as investidas dos recrutadores atrás das melhores cabeças para as áreas de finanças e marketing”, conta. Só que, com pouco menos de 30 anos, ela estava cada vez mais encantada com a possibilidade de empreender, influenciada pela bolha da internet daqueles anos 1999 e 2000. Marilia decidiu desabafar sobre o dilema em um e-mail para a Fundação Estudar (recém-criada por Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles justamente para financiar as “melhores cabeças”), que bancava a sua bolsa de estudos.

Era madrugada quando recebeu um telefonema de Sicupira, que lera o e-mail e tivera a ideia de atraí-la para “empreender” na América Latina Logística (ALL), companhia do grupo GP então em fase de formação. “Ele se apresentou, disse que eu poderia ir para Curitiba participar desse projeto, e que estava enviando uma pessoa para me entrevistar em Nova York. Fiquei sem graça de dizer que não era exatamente essa a minha ideia de empreender”, relata.

Na véspera da entrevista, como Sicupira estava em Nova York com a esposa, marcaram um jantar para conversar sobre seu futuro.
Depois de discorrer praticamente sozinho durante uma hora e meia, de repente ele disse, como se estivesse tendo a ideia naquele instante: “Não aceite o convite para a ALL amanhã. Ouvi falar de uma organização chamada Endeavor que é feita para você. Não está indo muito bem no Chile e na Argentina, mas se ajustarmos o modelo podemos começar alguma coisa no Brasil”.

Marilia saiu do jantar com a cabeça confusa e a mão levando os contatos de Linda Rottenberg, pesquisadora da Universidade Harvard que havia fundado a Endeavor global dez anos antes. Ligou para o então marido, que ficara no Brasil, e contou que não precisariam mais ir para Curitiba, mas que não tinha entendido patavina sobre a nova proposta. Ele respondeu: “Pela sua empolgação, pode até não saber o que é, mas com certeza vai trabalhar nisso”.

A Endeavor brasileira foi implantada em 2000, com a ajuda de uma doação inicial de R$ 550 mil de Sicupira e conforme um plano de negócios montado por Marilia — o desenho modificava a forma de financiamento da organização, além de estruturá-la por áreas. Em vez de aceitar doações feitas por fundos de investimentos, ela teve a ideia de reproduzir o modelo da própria Fundação Estudar, em que os estudantes, cuidadosamente selecionados, devolvem o valor da bolsa quando estão estabelecidos. “Os empreendedores fariam depois uma doação de parte do capital para manter a Endeavor e beneficiar novos empreendedores”, detalha. No início, o trato era “no fio do bigode” e “muita gente duvidava que ia funcionar”. Hoje, contabiliza, a Endeavor tem o equivalente a R$ 8 milhões em participações de empresas.

“Descobri que é possível construir um sonho a partir de coisas que parecem até ingênuas”, diz ela, mencionando a ocasião em que, durante a faculdade, um grupo de estudantes pediu US$ 50 mil ao empresário Antônio Ermírio de Moraes para fazer um curso de comércio internacional financiado pelo governo de Turim, na Itália. “Montei uma planilha de custos que incluía até um casaco de neve”, diverte-se ao lembrar. O empresário deu metade do solicitado, Marilia reclamou — e com isso conseguiu que ele indicasse o banqueiro Olavo Setubal para inteirar o valor.

Outro exemplo foi o de como a equipe conseguiu chamar a atenção para o conceito de empreendedorismo, no quarto aniversário da Endeavor no Brasil. “Enviamos dicionários para todos os editores de jornais e revistas, enumerando nossas conquistas apesar de o objetivo da organização não constar entre os verbetes.” As notinhas na imprensa foram tantas que, no dia seguinte, representantes dos editores dos dicionários Houaiss e Aurélio procuraram a Endeavor para compreender o que a palavra significava. “É impressionante como uma aposta pode se concretizar com o esforço e com o tempo”, constata Marilia.

3X4

Uma paixão — Os cavalos. Começou a montar aos seis anos, escondida, no cavalo Cigano, do meeiro de seu avô, que não aprovava a prática para meninas. “O cavalo representava a aventura, a possibilidade de ir a lugares distantes, atravessar rios.” Há quatro anos, Marilia quis proporcionar a mesma experiência para as duas filhas pequenas e passou a frequentar um grupo de enduros equestres em Bragança Paulista (SP). No ano passado, foi campeã paulista da prova de 20 quilômetros com velocidade controlada e ganhou o troféu “eficiência”.

Uma vitória — Ter completado a prova de 120 quilômetros, da federação internacional, depois de ter caído com o cavalo na tentativa anterior. “Caímos duas vezes e decidimos continuar, mas estávamos esfolados. Quem decidiu? Eu e o cavalo. Conversamos o tempo todo.” Suas metas agora são completar a maior prova, de 160 quilômetros, e ver alguém de sua equipe classificado para o campeonato mundial.

Um cuidado com a saúde — É “natureba” assumida: sabe tudo sobre alimentação saudável por causa da experiência na Mãe Terra. “Sempre me interessei, mas hoje sou científica no assunto porque conversei com nutricionistas e engenheiros de alimentos na época em que fizemos nossa carta de princípios técnicos.”

Uma fase difícil — Quando a Mãe Terra quase quebrou, há cinco anos, época em que ela também estava se divorciando e com a segunda filha recém-nascida. “Crescemos rápido demais e tivemos problemas de gestão.” O sócio conseguiu superar as dificuldades e hoje ela detém apenas uma pequena participação no negócio, que recebeu nova rodada de capital.

Livro na cabeceira — O último foi A amiga genial, da italiana Elena Ferrante, que leu “numa sentada”. “Mas leio muito pouco, e acho livros de negócios meio chatos. Prefiro romances.”

Coleção — Tem mais de 300 canecas de diferentes lugares do mundo, situações ou “conceitos”. “Os amigos sabem e trazem outras para mim.” O problema é a falta de espaço nas prateleiras, disputadas agora também pelos troféus de enduro equestre.

Conselho para quem está começando — “Descubra em que lugar você brilha, e foque nele. As pessoas tendem a fazer o contrário, procurar desenvolver seus pontos fracos, as habilidades que não têm.”


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